O maior vendedor do mundo

O maior vendedor do mundo

 

CÍRCULO DO LIVRO LTDA.

 

Edição Integral

Título original: “The Greatest Salesman in the World”

© 1968 by Og Mandino

Tradução: P. V. Damasio

Capa: Marcelo Bicalho

Licença editorial para o Círculo do Livro

Por cortesia da Distribuidora Record de Serviços de Imprensa S.A.

mediante acordo com Frederick, Fell, Inc.

ISBN: 85-332-0374-8

 

FreEbook: Apóie essa idéia!

 

Este livro é respeitosamente dedicado ao grande

vendedor

W. CLEMENT STONE

que soube combinar amor, compaixão e

inigualável sistema de vendas em uma filosofia

viva para o sucesso, motivando e orientando a

cada ano milhares de pessoas a descobrirem

maior felicidade, obterem admirável saúde física

e mental, paz de espírito, poder e riqueza.

 

APRECIAÇÕES

“Este livro apresenta as dez regras básicas para a venda efetiva e o faz

notavelmente. Sendo também vendedor, o autor fala com experiência, e seu

sábio conselho ajudará todo vendedor sério a alcançar maior êxito. Eu o

recomendo especialmente a vendedores.”

 

Rev. John A.O’Brien, Lente

Catedratíco de Pesquisa em

Teología da Universidade de

Notre-Dame

 

“Finalmente! Um livro sobre vendas e habilidades em venda que pode

ser lido e apreciado por veteranos e principiantes igualmente! Acabo de ler

O Maior Vendedor do Mundo pela segunda vez - era bom demais para apenas

uma leitura - e, sinceramente, digo que é o mais legível, mais construtivo e

mais útil instrumento para o ensino de vendas como profissão que jamais li.”

 

F. W. Errigo, Gerente do

Centro de Treinamento de

Vendas dos EUA Parke,

Davis & Company

 

“Tenho lido quase todos os livros já escritos sobre habilidades em venda,

mas penso que Og Mandino supera a todos eles com O Maior Vendedor do

Mundo. Aquele que seguir estes princípios jamais fracassará como vendedor,

e ninguém jamais será verdadeiramente grande sem eles; mas o autor fez

mais do que apresentar estes princípios - ele os teceu numa das mais

fascinantes histórias que jamais li.”

  

Paul J. Meyer, Presidente do

Instituto de Motivação Para o Êxito

  

“Todo gerente de vendas deveria ler O Maior Vendedor do Mundo. É um

livro para ficar na cabeceira da cama ou na mesa da sala - um livro para ser

folheado quando necessário, lido de vez em quando e apreciado em algumas

partes deveras estimulantes. É um livro para a hora presente e para os anos

futuros, um livro para ser consultado sempre e sempre, como a um amigo,

um livro de orientação moral, espiritual e ética, uma inesgotável fonte de

conforto e inspiração.”

 

Lester j. Bradshaw, Jr.,

Ex-Reitor do Instituto Dale

Carnegie de Conversação

Efetiva & Relações Humanas

 

“Og Mandino provoca e incita nossa atenção até à fascinação, ao relatar

magistralmente sua história. O Maior Vendedor do Mundo é um livro de

atração emocional para milhões.”

 

Roy Garn, Diretor Executivo

do Instituto de Atração Emocional

 

“Muito poucos homens têm o talento para escrever com que Og Mandino

foi abençoado. Os pensamentos contidos neste livro simbolizam a importância

da venda na existência de todo o mundo.”

 

Sol Polk, Presidente da

Polk Bros., Inc.

 

“Gosto da história... gosto do estilo... gosto do livro. Todo vendedor e os

membros de sua família deveriam lê-lo.”

 

W. Clement Stone, Presidente

da Companhia de Seguros

Associada da América

 

“Fui dominado completamente por O Maior Vendedor do Mundo. É,

sem dúvida, a maior e mais tocante história que jamais li. É tão bom este

livro que há dois deveres que eu vincularia a ele: primeiro, não se deve

deixá-lo antes de terminar; e, segundo, todas as pessoas que vendem alguma

coisa - e isto inclui todos nós - devem lê-o.”

 

Robert B. Hensley, Presidente

da Companhia de Seguros

de Vida de Kentucky

 

“Acabei de ler ininterruptamente O Maior Vendedor do Mundo. A trama

é original e genial. O estilo é interessante e fascinante. A mensagem é

comovente e inspiradora.

Cada um de nós é um vendedor, não importa qual sua ocupação ou

profissão. Principalmente cada qual deve vender-se a si próprio a fim de

encontrar felicidade pessoal e paz de espírito. Este livro, se cuidadosamente

lido, absorvido e meditado, pode ajudar cada um de nós a ser seu melhor

vendedor.”

 

Louis Binstock, rabinho do

templo Sholom, Chicago

 

“Em minha opinião, O Maior Vendedor do Mundo, de Og Mandino, tornarse-

á um clássico. Já editei centenas de livros em todos estes anos, mas a

poderosa mensagem de Og Mandino descobriu um lugar no mais íntimo do

meu ser.

 

Frederick V. Fell

 

 

 

 

 

 

O MAIOR

VENDEDOR

DO MUNDO

 

Hafid demorou-se ante o espelho de bronze e estudou sua imagem

refletida no metal polido.

“Apenas os olhos continuaram jovens”, murmurou ao virar se e

atravessar devagar o espaçoso piso de mármore. Passou por entre as

negras colunas de ônix que se erguiam para sustentar o teto brunido de

prata e ouro e suas pernas envelhecidas transportaram-no pelas mesas

esculpidas do ciprus e do marfim.

Carapaças de tartarugas reluziam dos canapés e divãs e as paredes,

marchetadas de gemas, cintilavam com brocados do mais esmerado

desenho. Enormes palmeiras cresciam placidamente em vasos de bronze

formando uma fonte de ninfas de alabastro, enquanto caixas de flores,

com gemas incrustadas, competiam, em atenção, com o seu conteúdo.

Nenhum visitante do palácio podia duvidar de que Hafid fosse realmente

senhor de grande riqueza.

O ancião passou por um jardim murado e entrou no depósito

que se estendia além da mansão por quinhentos passos de distância.

Erasmo, seu guarda-livros chefe, esperava, incerto, logo depois da

Um

entrada.

– Saudações, senhor.

Hafid assentiu com a cabeça e prosseguiu em silêncio. Erasmo o

seguiu, o semblante incapaz de esconder a preocupação com o pedido

incomum do amo, de uma reunião naquele local. Próximo à plataforma

de carga, Hafid parou para observar as mercadorias sendo removidas

dos carros de bagagem e contadas ao entrar em barracas separadas.

Havia lãs, bons linhos, pergaminhos, mel, tapetes e óleo da Ásia

Menor; vidros, figos, nozes e bálsamo de seu próprio país; tecidos e

drogas de Palmira; gengibre, canela e pedras preciosas da Arábia; milho,

papel, granito, alabastro e basalto do Egito; tapeçarias da Babilônia;

pinturas de Roma; e estátuas da Grécia. O cheiro de bálsamo pesava no

ar e o sensível e velho nariz de Hafid percebia a presença de doces,

ameixas, maçãs, queijos e gengibre.

Finalmente ele se voltou para Erasmo.

– Velho amigo, quanta riqueza ha agora acumulada em nosso

tesouro?

Erasmo empalideceu:

– Tudo, meu amo?

– Tudo.

– Não estudei os números recentemente, mas calcularia que há

um saldo de sete milhões de talentos de ouro.

– E se todas as mercadorias dos meus depósitos e empórios

fossem convertidas em ouro, qual seria o resultado?

– Nosso inventário ainda não esta completo para esta temporada,

meu senhor, mas calcularia um mínimo de outros três milhões de

talentos.

Hafid assentiu com a cabeça.

– Basta de compras de mercadorias. Trace imediatamente planos,

seja lá quais forem, para vender tudo que é meu, e converta o total em

ouro.

O guarda-livros abriu a boca, mas nenhum som saiu. Recuou

como que assustado e, quando finalmente pôde falar, as palavras vieram

com esforço.

– Eu não entendo, senhor. Este tem sido nosso ano mais lucrativo.

Todos os empórios acusam aumentos nas vendas sobre as do ano

anterior. Até as legiões romanas são agora nossos fregueses, pois não

vendeu o senhor ao Procurador de Jerusalém duzentos garanhões árabes

nesta quinzena? Perdoe-me a ousadia, pois raramente discuto suas

determinações, meu senhor, mas esta ordem eu não posso

compreender...

Hafid sorriu gentilmente e apertou a mão de Erasmo.

– Meu companheiro de confiança, tem sua memória suficiente

força para recordar a primeira ordem recebida de mim, quando entrou

neste emprego, muitos anos arras?

Erasmo franziu a testa momentaneamente e então sua face

iluminou-se.

– Fui encarregado pelo senhor de retirar, todo ano, a metade do

lucro de nosso tesouro e distribui-la aos pobres.

– Não me considerou você, naquela época, um insensato homem

de negócios?

– Eu tinha grandes pressentimentos, senhor.

Hafid assentiu e estendeu os braços para as plataformas de carga.

– Admite, agora, que sua preocupação era sem fundamento?

– Sim, senhor.

– Então deixe-me encorajá-lo a ter fé nesta decisão, até que

explique os meus planos. Eu sou agora um velho e minhas necessidades

são simples. Desde que minha adorada Lisha foi há muito retirada de

mim após tantos anos de felicidade, é meu desejo distribuir toda a minha

riqueza com os pobres desta cidade. Guardarei comigo apenas o

suficiente para completar minha vida sem desconforto. Além de fazer

nosso inventário, desejo que você providencie os documentos

necessários que transferirão a propriedade de todo empório àquele que

o dirige para mim. Desejo também que você distribua cinco mil talentos

de ouro entre esses administradores, como recompensa por seus anos

de lealdade e para que eles possam reabastecer suas prateleiras da

maneira que lhes agradar.

Erasmo começou a falar, mas a mão erguida de Hafid o silenciou.

A tarefa parece-lhe desagradável?

O guarda-livros balançou a cabeça e tentou sorrir.

– Não, meu senhor, apenas não posso entender seu raciocínio.

Suas palavras são as de um homem cujos dias estão contados.

– É do seu caráter, Erasmo, que sua preocupação deva ser por

mim, ao invés de por você próprio. Não cogita você de algo para seu

futuro, quando nosso império comercial for dispersado?

– Temos sido companheiros por muitos anos. Como posso, agora,

pensar somente em mim?

Hafid abraçou seu velho amigo e replicou:

– Não é necessário. Peço-lhe que transfira imediatamente

cinqüenta mil talentos de ouro para seu nome, e suplico-lhe que

permaneça comigo até que uma promessa que fiz, há muito tempo,

seja cumprida. Observada a promessa, legarei este palácio e depósito a

você, pois então estarei pronto para reunir-me a Lisha.

O velho guarda-livros fitou o amo, incapaz de compreender as

palavras que ouvira,

– Cinqüenta mil talentos de ouro, o palácio, o depósito... não

faço por merecer...

Hafid assentiu com a cabeça.

– Sempre contei sua amizade como meu maior bem. O que agora

entrego a você é de pouca importância, comparado à sua infindável

lealdade. Você dominou a arte de viver não para si exclusivamente,

mas para os outros, e essa preocupação timbrou-o acima de tudo como

um homem entre os homens. Agora eu o incito a apressar a consumação

dos meus planos. O tempo é o que de mais precioso eu possuo e a taça

do tempo de minha vida está quase cheia.

Erasmo voltou o rosto para ocultar as lágrimas.

Sua voz embargou, ao perguntar:

– E o que é a promessa, ainda por cumprir? Conquanto tenhamos

sido como irmãos, nunca ouvi o senhor falar de tal coisa.

Hafid cruzou os braços e sorriu.

– Encontrá-lo-ei de novo ao desincumbir-se de minhas ordens

desta manhã. Revelar-lhe-ei, então, um segredo que não partilhei com

ninguém, exceto minha adorada esposa, por cerca de trinta anos.

Dois

Então sucedeu que uma caravana fortemente escoltada logo partiu

de Damasco transportando certificados de propriedade e ouro para

aqueles que dirigiam cada um dos empórios de Hafid. De Obed, em

Joppa, a Reuel, em Petra, cada um dos dez administradores recebeu a

notícia da retirada e do presente de Hafid em pasmado silêncio. Finalmente,

após fazer sua última parada no empório em Antipatris, estava

finda a missão da caravana.

O mais poderoso império comercial de seu tempo não mais

existia.

Com o coração pesado de tristeza, Erasmo mandou avisar ao

amo que o depósito estava vazio e que os empórios não mais ostentavam

a orgulhosa bandeira de Hafid. O mensageiro regressou com um pedido

de que Erasmo se encontrasse imediatamente com o amo, próximo à

fonte, no peristilo.

Hafid estudou o rosto de seu amigo e perguntou:

– Fez tudo?

– Tudo, meu senhor.

– Não se aflija, meu bom amigo, e siga-me.

Apenas o som de suas sandálias ecoava no gigantesco aposento

quando Hafid levou Erasmo para a escadaria de mármore que ficava

ao fundo. Sais passos diminuíram momentaneamente ao se

aproximarem de um solitário vaso de fluorita numa prateleira de madeira

de árvore cítrica e ele observou que a luz do sol tinha mudado a cor do

vidro, de branco para púrpura. Sua face, envelhecida pelos anos, estampou

um sorriso.

Então os dois velhos amigos começaram a subir os degraus que

levavam ao quarto sob a cúpula do palácio. Erasmo notou que a guarda

armada não mais existia. Finalmente ganharam o patamar e pararam,

visto que ambos estavam quase sem fôlego pelo esforço da subida.

Depois seguiram para o segundo patamar e Hafid retirou a pequena

chave do cinto, destrancou a pesada porta de carvalho e forçou-a com

o corpo, com o que ela se abriu, rangendo. Erasmo hesitou até que seu

amo acenasse para entrar e, então, avançou timidamente para o quarto

onde ninguém tivera permissão para entrar, por cerca de trinta anos.

No ambiente cinzento e empoeirado, a luz irradiava de pequenas

torres acima de Erasmo, que se agarrou ao braço de Hafid até que seus

olhos se acostumaram à semi-escuridão. Com um leve sorriso, Hafid

observou Erasmo, que, locomovendo-se lentamente, saiu num quarto

vazio, exceto por um pequeno baú de cedro iluminado por um feixe de

luz solar num canto.

– Não esta desapontado, Bramo?

– Não sei o que dizer, senhor.

– Não esta desapontado com os móveis? Certamente, o conteúdo

deste quarto tem sido assunto de conversa de muitos. Você nunca

especulou sobre o mistério que envolve tudo que aqui se encontra e

que eu guardo tão zelosamente por tanto tempo?

Erasmo assentiu com a cabeça.

– É verdade. Tem havido muita conversa e muitos rumores, pelos

anos, quanto ao que nosso amo guarda escondido aqui na torre.

– Sim, meu amigo, e muitos deles eu ouvi. Tem-se dito que aqui

se guardam barris de diamantes, lingotes de ouro, ou animais selvagens,

ou pássaros raros. Certa vez um persa, mercador de tapetes, deu a

entender que talvez eu mantivesse aqui um pequeno harém. Lisha riu,

ao imaginar-me com uma coleção de concubinas. Mas, como você pode

ver, nada há aqui, exceto um pequeno baú. Agora, venha para cá.

Os dois agacharam-se ao lado do baú e Hafid cuidadosamente

começou a soltar as correias de couro que o envolviam. Ele inalou a

fragrância do cedro e, finalmente, empurrou a tampa, que se abriu sem

dificuldade. Erasmo curvou-se à frente e espiou sobre o ombro de Hafid

o conteúdo da arca. Olhou para Hafid e balançou a cabeça espantado.

Nada havia na arca senão pergaminhos... pergaminhos de couro.

Hafid estendeu a mão e gentilmente retirou um dos rolos. Por

momentos, apertou-o ao peito e cerrou os olhos. Uma calma tranqüila

pairou-lhe sobre o rosto, apagando as marcas da idade. Então, pôs-se

de pé e apontou para o baú.

– Fosse este quarto enchido até as vigas de diamantes, seu valor

não superaria o que seus olhos vêem nesta simples caixa de madeira.

Todo o êxito, felicidade, amor, paz de espirito e riqueza de que desfruto

provêm diretamente do que está contido nestes poucos pergaminhos.

Meu débito para com eles e para com o sábio que os confiou ao meu

cuidado não pode jamais ser retribuído.

Assustado pelo tom de voz de Hafid, Erasmo recuou e perguntou:

– É este o segredo a que o senhor se referiu? Este baú se acha de

alguma maneira ligado à promessa que o senhor tem de cumprir ainda?

– A resposta é “sim” a ambas as suas perguntas.

Erasmo passou a mão pela testa molhada de suor e fitou Hafid

com descrença.

– Que está escrito nestes pergaminhos, que lhes confere valor

maior que o de diamantes?

– À exceção de um, todos estes pergaminhos contêm um

princípio, uma lei, ou uma verdade fundamental, escritos num único

estilo, para ajudar o leitor a entender seu significado. Para se tornar um

mestre na arte de vender, deve-se aprender e praticar o segredo de cada

um destes pergaminhos. Quando se dominam estes princípios, tem-se

o poder de acumular toda a riqueza que se deseja.

Erasmo fitou o pergaminho com assormbro.

– Rico até mesmo como o senhor?

– Até mais rico, se quiser.

– O senhor afirmou que, à exceção de um, todos estes pergaminhos

contêm princípios de venda. O que contém o último

pergaminho?

– O último pergaminho, como você o chama, é o primeiro que

deve ser lido, já que cada um é numerado para ser lido em seqüência

especial. E o primeiro contém um segredo que tem sido dado a poucos

sábios através da história. Em verdade, ele ensina a maneira mais efetiva

de aprender o que está escrito nos demais.

– Parece ser uma tarefa difícil de realizar.

– É, na verdade, uma tarefa simples, desde que se queira pagar o

preço, em tempo e concentração, até que cada princípio se torne uma

parte da personalidade de cada um; se torne como um hábito.

Erasmo meteu a mão no baú e retirou um pergaminho.

Segurando-o gentilmente entre os dedos, passou-o afoito para Hafid.

– Perdoe-me, meu amo, mas por que razão não partilhou estes

princípios com outros, especialmente aqueles que labutam há muito

tempo com o senhor? Se o senhor sempre mostrou tanta generosidade

em todas as outras questões, como é que todos que venderam pelo

senhor não ganharam a oportunidade de ler estas palavras de sabedoria

e, dessa maneira, enriquecer também? Afinal de contas, todos seriam

melhores vendedores com tão valiosa sabedoria. Por que o senhor

manteve para si estes princípios por todos estes anos?

– Eu não tinha escolha. Há muitos anos atrás, quando estes

pergaminhos foram a mim confiados, prometi sob juramento que

partilharia seu conteúdo com apenas uma pessoa. Até hoje não entendo

o raciocínio desse estranho pedido, mas ordenaram-me aplicar os

princípios dos pergaminhos à minha própria vida, até que um dia alguém

aparecesse e necessitasse, mais do que eu quando jovem, da ajuda e

orientação neles contidas. Disseram-me que mediante algum sinal eu

reconheceria a pessoa a quem deveria passar os pergaminhos, mesmo

que tal pessoa não soubesse estar a procurá-los.

“Esperei com paciência e enquanto esperava apliquei estes

princípios como me foi permitido fazer. Com sua sabedoria tornei-me

o que muitos chamam ‘o maior vendedor do mundo’, assim como

aquele que me legou esses pergaminhos foi proclamado ‘o maior

vendedor de seu tempo’. Agora, Erasmo, talvez você entenda, afinal,

por que algumas de minhas ações através dos anos lhe pareceram

estranhas e impraticáveis e, contudo, resultaram em êxito. Sempre foram

meus feitos e decisões guiados por estes pergaminhos; portanto, não

foi através de minha sabedoria que adquirimos tantos talentos de ouro.

Fui apenas o instrumento de realização.

– O senhor ainda crê que aquele que deve receber tais pergaminhos

do senhor, meu amo, aparecera- após tanto tempo?

– Sim.

Hafid recolocou gentilmente os pergaminhos e fechou o baú. De

joelhos, falou, brandamente:

– Você ficará comigo até esse dia, Erasmo?

O guarda-livros adiantou-se, banhado por uma luz branda, e eles

se apertaram as mãos. Ele assentiu com a cabeça e depois se retirou do

quarto, como se sob uma ordem inefável de seu amo. Hafid repôs as

correias de couro no baú, ergueu-se e dirigiu-se para uma pequena torre.

Passando por ela, seguiu para um palanque que cercava a grande cúpula.

Um vento do Levante soprava-lhe a face, trazendo consigo o

aroma de lagos e do deserto na distância. Ele sorriu como se estivesse

postado sobre os telhados de Damasco e seus pensamentos

retrocederam tempo adentro...

Três

No inverno, o frio era cruel no Monte das Oliveiras. De Jerusalém,

pela estreita abertura do Vale Kidrom, vinha o cheiro de fumaça, incenso

e carne queimada do Templo, e esse ar impuro misturava-se com o

odor resinoso dos terebintos da montanha.

Num declive descampado, a curta distancia da aldeia de Bethpage,

dormitava a imensa caravana de mercadorias de Pathros de Palmira. Já

era bem tarde e até os garanhões favoritos dos grandes mercadores

tinham parado de pastar nos ralos arbustos de pistáceas e deitavam

junto a uma macia cerca de louros.

Para além das longas filas de tendas em silêncio, grossos cipós

de cânhamo se enrolavam em quatro oliveiras antigas. Elas formavam

um curral esquadrejado, cercando confusas formas de camelos e burros

amontoados para se aquecerem uns nos outros. Exceto por dois vigias,

que rondavam próximos aos carros de bagagem, o único movimento

no campo era o da alta e móvel sombra delineada na grande tenda de

pele de cabra de Pathros.

No seu interior, Pathros passeava de um lado para outro, parando

ocasionalmente, quando então franzia a testa e balançava a cabeça para

o jovem ajoelhado timidamente próximo à entrada da tenda. Finalmente

assentou o corpo aflito no tapete bordado a ouro e acenou para o rapaz

se aproximar.

– Hafid, você sempre foi como de minha família. Estou perplexo

e embaraçado com o seu estranho pedido. Você não está contente com

o seu serviço?

Os olhos do rapaz estavam fixos no tapete.

– Não, senhor.

– Talvez o tamanho sempre crescente da nossa caravana tenha

feito a sua tarefa de tratar dos camelos e dos burros grande demais. É

isso?

– Não, senhor.

– Então, por favor, repita o seu pedido. Inclua também, em suas

palavras, a razão de tão incomum pedido.

– É meu desejo tornar-me um vendedor de suas mercadorias,

meu senhor, em vez de guardador de camelos. Desejo ser como Hadad,

Simon, Caleb e outros, que partem de nosso carro de bagagem com

animais quase a rastejar com o peso de suas mercadorias e regressam

com ouro para o senhor, meu amo, e para eles também. Desejo melhorar

minha baixa posição na vida. Como guardador de camelos não sou

nada, enquanto como um vendedor para o senhor posso adquirir riqueza

e êxito.

– O que lhe da essa certeza?

– Tenho ouvido freqüentemente o senhor dizer que nenhum outro

negócio ou ofício oferece mais oportunidades para uma pessoa se erguer

da pobreza para a grande riqueza do que o de vendedor.

Pathros pôs-se a assentir com a cabeça mas pensou um pouco e

continuou a perguntar ao jovem:

– Crê você que é capaz de desempenhar suas funções como

Hadad e outros vendedores?

Hafid mirou atentamente o ancião e replicou:

– Muitas vezes ouvi, por acaso, Caleb queixar-se com o senhor

dos azares que explicam sua falta de vendas e muitas vezes ouvi o

senhor lembrar-lhe que qualquer um seria capaz de vender todas as

mercadorias de seu depósito, meu senhor, em pouco tempo, se se

dedicasse a aprender os princípios e leis de venda. Se o senhor crê que

Caleb, a quem todos chamam tolo, pode aprender esses princípios,

não posso eu também adquirir essa sabedoria especial?

– Se você dominasse estes princípios, qual seria o grande sonho

de sua vida?

Hafid hesitou e depois respondeu:

– Tem-se repetido pela terra que o senhor é um grande vendedor.

O mundo jamais viu um império comercial tão grande como o que o

senhor construiu com o domínio da arte de vender. Minha ambição é

tornar-me maior que o senhor, o maior mercador, o homem mais rico,

o maior vendedor de todo o mundo!

Pathros recuou e estudou aquele rosto jovem e escuro. O cheiro

dos animais estava em suas roupas, mas o jovem demonstrava pouca

humildade nas maneiras.

– E o que fará com essa grande riqueza e espantoso poder que

certamente o acompanharão?

– Farei como o senhor. Minha família será provida com os

melhores bens mundanos, e o resto dividirei com aqueles em privação.

Pathros balançou a cabeça.

– Riqueza, meu filho, não devia nunca ser seu grande sonho.

Suas palavras são eloqüentes, mas são meras palavras. A verdadeira

riqueza é a do coração, não a da bolsa.

Hafid hesitou.

– Não é o senhor rico, meu amo?

O ancião sorriu da ousadia de Hafid.

– Hafid, no que toca à riqueza material, há apenas uma diferença

entre mim e o mais baixo mendigo que ronda o palácio de Herodes. O

mendigo pensa apenas em seu próximo prato de comida e eu penso

apenas naquele que será o meu último prato de comida. Não, meu

filho, não aspire a riqueza e ao trabalho apenas para ser rico. Esforcese,

em vez disso, pela felicidade, para ser amado e amar, e, mais importante,

para adquirir paz de espírito e serenidade.

Hafid persistia:

- Mas essas coisas são impossíveis sem ouro. Quem pode viver,

na pobreza, com paz de espírito? Como se pode demonstrar amor por

uma família se se é incapaz de alimentá-la, vesti-la e dar-lhe casa para

morar? O senhor mesmo diz que a riqueza é boa quando traz alegria

aos outros. Por que então não é boa para a minha ambição de ser rico?

A pobreza pode ser um privilégio e até uma maneira de vida para o

monge no deserto, pois ele tem apenas a si mesmo para sustentar e

ninguém, senão a seu Deus, para agradar, mas eu a considero como a

marca de uma falta de capacidade ou de ambição. Eu não sou deficiente

em nenhuma dessas qualidades.

Pathros franziu a testa:

– O que lhe causou este súbito acesso de ambição? Você fala em

prover uma família, mas não tem família alguma, pois fui eu que o

adotei, desde a peste que levou seus pais.

A pele bronzeada de Hafid não pôde esconder-lhe o súbito rubor

das faces.

Enquanto acampamos em Hebrom, antes de viajarmos para cá,

eu conheci a filha de Calneh. Ela... ela...

– Oh, oh, agora a verdade aparece. O amor, não nobres ideais,

fez de meu guardador de camelos um poderoso soldado pronto a

enfrentar o mundo. Calneh é homem muito rico. Sua filha e um

guardador de camelos? Nunca! Mas sua filha e um rico, jovem e

simpático mercador... ah, essa é outra história. Muito bem, meu jovem

soldado, eu o ajudarei a iniciar a sua carreira de vendedor.

O rapaz caiu de joelhos e agarrou-se às vestes de Pathros.

– Senhor, senhor! Como posso mostrar-lhe minha gratidão?

Pathros esquivou-se do aperto de Hafid e recuou.

– Eu sugeriria que suspendesse sua gratidão por enquanto.

Qualquer ajuda que lhe dê será como um grão de areia comparado às

montanhas que você deve mover em seu próprio benefício.

A alegria de Hafid imediatamente se amainou ao perguntar:

– O senhor vai ensinar-me os princípios e leis que me

transformarão em um grande vendedor?

– Não ensinarei, como não tornei sua infância branda e fácil pelo

mimo. Tenho sido criticado freqüentemente por condenar meu filho

adotivo à vida de guardador de camelos, mas confiei que, se o fogo

bom queimasse por dentro, ele finalmente emergiria... e quando tal

ocorresse você seria mais homem para seus anos de árdua labuta. Esta

noite, seu pedido deixou-me feliz, pois o fogo da ambição reluz em

seus olhos e sua face brilha com ardente desejo. Isto é bom e minha

suposição sustentou-se, mas você deve ainda provar que há mais em

suas palavras do que simplesmente ar.

Hafid permaneceu silencioso e o ancião prosseguiu:

– Primeiro, você deve provar-me e, mais importante, a si mesmo,

que pode suportar a vida de vendedor, pois não é destino fácil o que

escolheu. Verdadeiramente, muitas vezes você me ouviu dizer que as

recompensas são grandes se se tem êxito, mas apenas porque

pouquíssimos têm êxito. Muitos sucumbem ao desespero e falham

sem perceber que já possuem todos os instrumentos necessários para

adquirir grande riqueza. Muitos outros enfrentam os obstáculos do caminho

com medo e dúvida e os consideram inimigos, quando, em

verdade, esses empecilhos são amigos e colaboradores. Os obstáculos

são necessários para o êxito, pois em venda, como em todas as carreiras

de importância, a vitória só vem apenas após muitas lutas e inúmeras

derrotas. Contudo, cada luta, cada derrota, aguça suas técnicas e forças,

sua coragem e persistência, sua capacidade e confiança e, assim, cada

obstáculo é um companheiro de armas forçando-o a melhorar... ou

desistir. Cada malogro é uma oportunidade para seguir avante. Desviese

deles, evite-os, e você desperdiça seu futuro.

O jovem assentiu com a cabeça e ameaçou falar, mas o ancião

ergueu a mão e prosseguiu:

– Ademais, você está se aventurando na mais solitária profissão

do mundo. Até os desprezados coletores de impostos regressam aos

lares ao pôr-do-sol e as legiões de Roma têm um quartel a que

denominam lar. Mas você testemunhará muitos pores-do-sol distante

dos amigos e dos entes queridos. Nada traz a dor da solidão a um

homem tão rapidamente quanto passar por uma casa estranha e

testemunhar, à luz do lampião, uma família partindo o pão ao anoitecer

no aconchego do lar.

“Será nesses períodos de solidão que as tentações o afrontarão.

A maneira como você enfrentará essas tentações afetará grandemente

sua carreira. Estar-se na estrada apenas com o animal é uma sensação

estranha e freqüentemente assustadora. Muitas vezes esquecemos

nossas perspectivas e nossos valores e nos sentimos como crianças,

ansiando por nossa própria segurança e amor. O que achamos como

substituto já encerrou a carreira de muitos, inclusive milhares que eram

considerados de grande potencial na arte de vender. Ademais, não

haverá ninguém para distraí-lo ou consolá-lo quando não vender

nenhuma mercadoria; ninguém, exceto aqueles que procuram separálo

de sua algibeira.

– Eu serei cuidadoso e seguirei à risca o seu conselho, meu senhor.

– Então, vamos começar. Por enquanto você não receberá mais

nenhum conselho. Coloque-se diante de mim como um figo verde.

Até que o figo amadureça não pode ser chamado de figo e até que você

não se tenha exposto ao conhecimento e à experiência não pode ser

chamado de vendedor.

– Como começarei?

– Pela manhã, você irá falar com Sílvio, no carro de bagagem.

Ele deixará aos seus cuidados uma das nossas melhores e mais novas

túnicas. É tecida com pêlo de cabra e resistirá até à chuva mais pesada.

É tingida com o vermelho das raízes da garança, para que a cor não se

solte. Próximo à bainha você encontrará bordada, pelo lado de dentro,

uma pequena estrela. É o símbolo de Tola, cuja fábrica faz as melhores

túnicas do mundo. Já próximo à estrela está o meu símbolo, um círculo

dentro de um quadrado. Ambos os símbolos são conhecidos e

respeitados por todo o país e vendemos inúmeros milhares de túnicas.

Tenho negociado com os judeus por tanto tempo que apenas sei seus

nomes por um vestuário como esse. E chamado de abeyah.

“Pegue a túnica e uma mula e parta ao amanhecer para Belém, a

aldeia pela qual nossa caravana passou antes de chegar aqui. Nenhum

de nossos vendedores jamais a visitou. Dizem que é uma perda de

tempo, porque o povo é muito pobre, mas há muitos anos atrás vendi

cem túnicas entre os pastores de lá. Permaneça em Belém até vender

uma túnica.

Hafid assentiu com a cabeça, tentando em vão ocultar a emoção.

– A que preço devo vender a túnica, meu amo?

– Debitarei um denário de prata em seu nome no meu livro. Ao

voltar, você me devolverá um denário de prata. Guarde o que receber a

mais como comissão e assim, realmente, você próprio vai determinar o

preço da túnica. Pode visitar a feira que fica no portão Leste ou oferecer

em cada porta da cidade, a qual, estou certo, tem cerca de mil.

Certamente, é concebível que uma túnica seja vendida lá, não acha?

Hafid assentiu de novo, já pensando no dia seguinte.

Pathros colocou a mão gentilmente no ombro do rapaz.

– Não colocarei ninguém em seu serviço até que volte. Se

descobrir que seu estômago não é para esta profissão, eu entenderei, e

você não precisará se considerar em desfavor. Nunca se envergonhe de

tentar e fracassar, pois se alguém nunca fracassou é porque nunca

tentou. Quando voltar, perguntarei detidamente a respeito de suas

experiências. Só então decidirei como proceder para ajudá-lo a fazer

com que seus vagos sonhos se concretizem.

Hafid curvou-se e virou para sair, mas o ancião ainda prosseguiu:

– Filho, há um preceito que você deve guardar ao começar essa

nova vida. Tenha-o sempre presente e vencerá obstáculos aparentemente

impossíveis, que com certeza encontrará, como todos aqueles

que têm ambição.

Hafid esperou.

– Sim, senhor?

– O fracasso jamais o surpreenderá se sua decisão de vencer

for suficientemente forte.

Pathros adiantou-se para o jovem.

– Você compreende todo o significado de minhas palavras?

– Sim, senhor.

– Repita-as então para mim.

– O fracasso jamais me surpreenderá, se minha decisão de

vencer for suficientemente forte.

Quatro

Hafid pôs de lado o pedaço de pão mordiscado e pensou em seu

infeliz destino. Amanhã seria seu quarto dia em Belém e a única túnica

vermelha que ele retirara tão confiante da caravana estava ainda no

embrulho no lombo do animal, agora amarrado numa estaca na gruta

atrás da hospedaria.

Ele não ouvia o barulho que o cercava no superlotado refeitório,

ao fazer careta, a refeição ainda por terminar. Dúvidas que assaltavam

todo vendedor, desde o começo dos tempos, passavam-lhe pela mente.

“Por que as pessoas não me dão ouvidos? Como atrair sua

atenção? Por que fecham suas portas antes mesmo que eu tenha dito

cinco palavras? Por que perdem o interesse pela minha conversa e se

afastam? Será todo mundo pobre nesta cidade? O que posso dizer

quando eles declaram que gostam da túnica mas não podem pagá-la?

Por que tantos me dizem para passar depois? Como os outros

conseguem vender, quando eu não consigo? Que medo é este que me

domina quando me aproximo de uma porta fechada e como posso

vencê-lo? Será que o meu preço não faz par com o dos outros vendedores?”

Balançou a cabeça, em desgosto pelo fracasso. Talvez não fosse

aquela a vida para ele. Talvez devesse continuar como guardador de

camelos e ganhar apenas moedas de cobre por dia de trabalho. Como

vendedor de mercadorias, ficaria verdadeiramente feliz se voltasse para

a caravana, sem lucro absolutamente nenhum? De que o chamara

Pathros? Um jovem soldado? Ele quis momentaneamente que estivesse

de volta aos animais.

Seus pensamentos voltaram-se, então, para Lisha e seu severo

pai, Calneh, e as dúvidas imediatamente o abandonaram. Aquela noite

ele dormiria de novo nas colinas para conservar suas economias e na

manhã seguinte venderia a túnica. Ademais, falaria com tal eloqüência

que conseguiria um bom preço por ela. Começaria cedo, logo após o

alvorecer, e se instalaria próximo à fonte da cidade. Dirigir-se-ia a todos

que se aproximassem e dentro de pouco tempo estaria retornando ao

Monte das Oliveiras com prata nos bolsos.

Estendeu a mão para pegar o resto de pão e se pôs a comer

enquanto pensava no amo. Pathros iria orgulhar-se dele, pois não

desesperara ou regressara como fracassado. Em verdade, quatro dias

era muito tempo para consumar a venda de apenas uma túnica, mas ele

sabia que se realizasse o feito em quatro dias poderia aprender com

Pathros a realizá-lo em três e, depois, em dois dias. Com o tempo,

tornar-se-ia tão eficiente que venderia muitas túnicas numa só hora!

Seria, então, verdadeiramente, um vendedor de reputação.

Deixou a barulhenta hospedaria e rumou para a gruta e seu animal.

O ar frio endurecera a grama com uma fina camada de geada e cada

folhinha queixava-se, estalando com a pressão de suas sandálias. Hafid

decidiu não sair para as colinas essa noite. Em vez disso, descansaria

na gruta com seu animal.

Amanhã, sabia, seria um dia melhor, visto entender agora por

que outros sempre se desviavam da aldeia empobrecida. Tinham dito

que nada se vendia ali e ele recordava essas palavras toda vez que alguém

recusava comprar sua túnica. Pathros, contudo, vendera centenas de

túnicas ali, muito tempo antes. Talvez os tempos tivessem sido diferentes

e, afinal de contas, Pathros era um grande vendedor.

Uma cintilante luz vinda da gruta fê-lo apertar os passos, temendo

algum ladrão. Ele correu para a entrada pronto a derrubar o bandido e

reaver seus bens. No entanto, a tensão imediatamente o abandonou à

vista do que confrontava.

Uma pequena vela, forçada numa fenda na parede da gruta,

brilhava fracamente sobre um homem barbado e uma jovem, achegados

intimamente. A seus pés, numa pedra esburacada, onde usualmente

ficava a forragem do gado, dormia um menino. Hafid conhecia pouco

de tais coisas, mas sentiu, pela pele enrugada e sangüínea, que o menino

era recém-nascido. Para proteger do frio o menino que dormia, ambos

os mantos, o do homem e o da mulher, cobriam-no todo, menos a

cabecinha.

O homem assentiu com a cabeça na direção de Hafid enquanto a

mulher aconchegava-se à criança, Ninguém falou. Então, a mulher

tremeu de frio e Hafid viu que o fino vestuário dela oferecia pouca

proteção contra a umidade da gruta. Hafid fitou novamente o menino.

Observou fascinado como sua boca pequena abria e fechava quase

num sorriso, e uma estranha sensação o assaltou. Por alguma razão

desconhecida, pensou em Lisha. A mulher tiritou novamente e seu

movimento súbito despertou Hafid do devaneio.

Após dolorosos momentos de indecisão, o suposto vendedor

encaminhou-se para seu animal. Cuidadosamente, desatou os nós, abriu

o embrulho e retirou a túnica. Desdobrou-a e correu a mão sobre o

tecido. A tintura vermelha reluziu com a luz da vela e ele pôde ver o

símbolo de Pathros e o de Tola, na parte de baixo. O círculo no quadrado

e a estrela. Quantas vezes erguera essa túnica nos braços cansados, nos

últimos três dias? Parecia-lhe que conhecia toda configuração e cada

uma de suas fibras. Era, realmente, uma túnica de qualidade. Com

cuidado, duraria uma existência.

Hafid fechou os olhos e suspirou. Depois, dirigiu-se com rapidez

à pequena família, ajoelhou na palha ao lado do menino e, gentilmente,

retirou o manto do pai e, depois, o da mãe. Devolveu cada um ao seu

dono. Ambos estavam chocados demais com a ousadia de Hafid para

reagirem. Então, Hafid abriu a preciosa túnica vermelha e, gentilmente,

agasalhou com ela a criança que dormia.

A umidade do beijo da jovem mãe ainda estava na face de Hafid

ao conduzir ele seu animal para fora da gruta. Diretamente acima dele

encontrava-se a mais brilhante estrela que Hafid jamais vira. Fitou-a,

até que seus olhos se encheram de lágrimas, e então puxou seu animal

pelo caminho que levava à estrada principal de volta a Jerusalém e à

caravana na montanha.

Cinco

Hafid seguiu devagar, a cabeça caída para não mais notar a estrela

espalhando seu caminho de luz diante dele. Por que cometera um ato

tão tolo? Não conhecia aquelas pessoas na gruta. Por que não tentara

vender-lhes a túnica? O que diria Pathros? E os outros? Eles rolariam

no chão, quando soubessem que dera de graça a túnica que se incumbira

de vender. E para um menino desconhecido, numa gruta. Rebuscou na

cabeça uma história que pudesse contar a Pathros. Talvez pudesse dizer

que a túnica fora roubada de seu animal, enquanto estava no refeitório.

Creria Pathros em tal história? Afinal de contas, havia muitos bandidos

na terra. E se Pathros acreditasse, não seria, então, culpado de desleixo?

Logo alcançou o caminho que levava ao Jardim de Getsêmane.

Desmontou e encaminhou-se cansadamente à frente da mula, até chegar

à caravana. A luz do céu parecia a luz do dia, e o momento que temia

rapidamente se avizinhou, assim que viu seu amo Pathros, do lado de

fora da tenda, fitando os céus. Hafid permaneceu inerte, mas o ancião

notou-o quase imediatamente.

Havia pavor na voz de Pathros, quando se aproximou do jovem

e perguntou:

– Você veio diretamente de Belém?

– Sim, meu amo.

– Não está alarmado por essa estrela o acompanhar?

– Não notei, senhor.

– Não notou? Senti-me incapaz de sair deste lugar, logo que a vi

erguer-se sobre Belém, há quase duas horas. Nunca vi estrela com mais

cor e brilho. Logo que a vi, ela começou a mover-se e aproximar-se de

nossa caravana. Agora que está bem em cima, você aparece, e, pelos

deuses, ela não se move mais.

Pathros acercou-se de Hafid e examinou a face do jovem,

enquanto perguntava:

– Você participou de algum fato extraordinário lá em Belém?

– Não, senhor.

O ancião franziu a testa, como a pensar profundamente:

– Nunca conheci uma noite ou experiência tão grandiosa como

esta.

Hafid hesitou:

– Eu também jamais esquecerei esta noite, meu senhor.

– Oh, oh, então alguma coisa realmente aconteceu. Como é que

você voltou em hora tão tardia?

Hafid ficou em silêncio enquanto o ancião soltava, apalpando-o,

o embrulho do lombo da mula.

– Está vazio! Êxito, finalmente! Venha à minha tenda e conte-me

o que se passou. Já que os deuses transformaram a noite em dia, eu

não posso dormir, e talvez suas palavras forneçam alguma pista quanto

à razão de uma estrela seguir um guardador de camelos.

Pathros reclinou-se na cama e ouviu de olhos fechados a longa

história de Hafid em Belém, de infindáveis recusas, malogros e insultos.

Vez por outra, assentia com a cabeça, como quando Hafid descreveu o

mercador de cerâmica que o expulsara corporalmente de sua loja, e

sorriu ao ouvir que um soldado romano lhe atirara a túnica ao rosto

quando o jovem vendedor se recusara a baixar o preço.

Finalmente, Hafid, com a voz áspera e velada, descrevia as dúvidas

que o haviam assaltado na hospedaria, naquela mesma noite. Pathros

o interrompeu:

– Conte-me, Hafid, as dúvidas, uma por uma, o que lhe passou

pela cabeça quando se sentou lamentando a sorte.

Após Hafid nomeá-las todas, dando o melhor de sua memória, o

ancião perguntou:

– Agora, que pensamento finalmente entrou-lhe pela cabeça e

expulsou as dúvidas, dando-lhe nova coragem para se decidir a tentar

de novo vender a túnica no dia seguinte?

Hafid ponderou sua resposta por um momento e então disse:

– Eu pensei apenas na filha de Calneh. Mesmo naquela imunda

hospedaria, eu sabia que jamais poderia vê-la outra vez se fracassasse

– e então a voz de Hafid faltou. – Mas eu falhei a ela, de qualquer

forma.

– Falhou? Não entendo! Você não voltou com a túnica!

Em voz tão baixa que Pathros teve de se curvar à frente para

ouvir, Hafid contou-lhe o incidente da gruta, o menino, a túnica.

Enquanto o jovem falava, Pathros relanceava os olhos repetidamente

pela entrada aberta da tenda e pelo brilho além, que ainda iluminava o

chão do campo. Um sorriso ganhou forma em seu rosto perplexo e ele

não notou que o rapaz interrompera a história e soluçava.

Logo os soluços amainaram e houve apenas silêncio na grande

tenda. Hafid não ousava fitar o amo. Fracassara e provara que não estava

em condições de ser mais que um simples guardador de camelos.

Combateu a ânsia de virar-se, de um salto, e fugir da tenda. Sentiu,

então, a mão do grande vendedor no ombro e forçou-se a olhar o amo

nos olhos.

– Meu filho, esta viagem foi de muito lucro para você.

– Não, senhor.

– Para mim, foi. A estrela que o seguiu curou-me de uma cegueira

que ainda reluto em admitir. Explicar-lhe-ei isto depois que regressarmos

a Palmira. Agora, faço-lhe um pedido.

– Sim, meu amo.

– Nossos vendedores começarão a chegar à caravana amanhã

antes do pôr-do-sol e seus animais necessitarão de cuidado. Concorda

em reassumir as funções de guardador de camelos, por enquanto?

Hafid pôs-se de pé resignadamente e curvou-se ante seu benfeitor.

– O que o senhor quiser. Estarei às ordens... e lamento ter

fracassado ao senhor.

– Vá, então, e prepare o regresso de nossos homens; encontrarnos-

emos em Palmira.

Assim que Hafid atravessou a entrada da tenda, a brilhante luz

do céu cegou-o momentaneamente. Esfregou os olhos e ouviu o seu

amo chamá-lo de dentro da tenda.

O jovem virou-se e voltou para dentro, esperando que o ancião

falasse. Então, Pathros apontou para ele e disse:

– Durma em paz, pois você não fracassou.

A estrela brilhante permaneceu no céu por toda a noite.

Seis

Quase duas semanas depois que a caravana regressara à base em

Palmira, Hafid foi despertado em sua cama de palha, no estábulo, e

chamado à presença de Pathros.

Dirigiu se com rapidez ao dormitório do amo e parou, incerto,

ante a enorme cama que reduzia o tamanho de seu ocupante. Pathros

abriu os olhos e desvencilhou-se das cobertas até sentar-se ereto. Seu

rosto estava descarnado e as veias inchavam-lhe as mãos. Era difícil

acreditar que se tratasse do mesmo homem com quem falara apenas

doze dias antes.

Pathros moveu-se para a parte mais baixa da cama e o jovem

sentou-se cuidadosamente na beirada, esperando que o ancião falasse.

Até mesmo a voz de Pathros era diferente, em som e timbre, daquela

na última reunião.

– Meu filho, você ainda tem muitos dias para reexaminar suas

ambições. Existe ainda, dentro de você, a vontade de se tornar um

grande vendedor?

– Sim, meu senhor.

O ancião assentiu com a cabeça.

– Então, que assim seja. Planejara gastar muito mais tempo com

você, mas, como pode ver, há outros planos para mim. Embora me

considere um bom vendedor, sinto-me incapaz de vender à morte seu

afastamento de minha porta. Ela tem esperado há dias, como um cão

faminto à porta de nossa cozinha. Como o cão, ela sabe que finalmente

encontrara a porta aberta...

Um acesso de tosse interrompeu Pathros e Hafid continuou inerte,

enquanto o ancião lutava com a falta de ar. Finalmente, a tosse parou e

Pathros sorriu com debilidade.

– Nosso tempo juntos é breve, de maneira que vamos começar.

Primeiro, retire o pequeno baú de cedro de debaixo da cama.

Hafid ajoelhou-se e puxou um pequeno baú com correias de

couro. Colocou-o sob o contorno que Pathros traçou com os pés na

cama. O ancião pigarreou:

– Há muitos anos, quando minha posição era inferior a de um

guardador de camelos, tive o privilégio de socorrer um viajante do

Oriente que fora atacado por dois bandidos. Ele insistiu em que eu

salvara sua vida e quis recompensar-me, embora eu não procurasse

nenhuma recompensa. Como eu não tinha família, nem economias,

convenceu-me a voltar com ele para sua casa e família, onde fui aceito

como um dos seus.

“Um dia, depois que me acostumara a minha nova vida, ele me

apresentou este baú. Dentro havia dez pergaminhos de couro, todos

numerados. O primeiro continha o segredo de aprender. Os outros

continham todos os segredos e princípios necessários para tornar-me

uma pessoa de grande êxito na arte de vender. Então, a seguir, foi-me

ministrada, todos os dias, a palavra sábia dos pergaminhos, e com o

segredo de aprender, do primeiro pergaminho, finalmente memorizei

palavra por palavra de todos os pergaminhos até que elas se tornassem

parte de minhas maneiras e de minha vida. Elas se tornaram hábito.

“Finalmente, recebi de presente com o baú, contendo os dez

pergaminhos, uma carta selada e uma bolsa com cinqüenta moedas de

ouro. A carta selada não era para abrir até que meu lar adotivo estivesse

fora de vista. Despedi-me da família e esperei até alcançar a rota

comercial para Palmira antes de abrir a carta. A carta, em essência,

mandava-me tomar as moedas de ouro, aplicar o que aprendera dos

pergaminhos e começar uma nova vida. Mandava, ainda, partilhar

sempre a metade da riqueza adquirida, fosse ela qual fosse, com outras

pessoas menos afortunadas, mas que não desse os pergaminhos de

couro nem os partilhasse com ninguém até o dia em que eu recebesse

um sinal especial que dissesse quem fora o próximo escolhido para

recebê-los.

Hafid balançou a cabeça:

– Não entendo, senhor.

– Explicarei. Permaneci a espera dessa pessoa e do sinal por

muitos anos e enquanto esperava apliquei o que aprendi dos

pergaminhos para acumular uma grande fortuna. Quase cheguei a

acreditar que tal pessoa jamais apareceria antes de minha morte, até

que você regressou de sua viagem a Belém. Meu primeiro

pressentimento de que você fora o escolhido para receber os

pergaminhos veio-me quando você apareceu sob a estrela brilhante

que o seguira de Belém. Em minha alma tentei compreender o

significado desse fato, mas resignei-me a não desafiar as ações dos

deuses. E então, quando você disse que cedera a túnica, que significava

tanto para você, algo dentro de minha alma falou e disse que minha

longa procura terminara. Descobrira finalmente aquele a quem fora

ordenado ser o próximo a receber o baú. Estranho mas, logo que soube

ter descoberto a pessoa certa, a energia de minha vida começou

lentamente a se esvair. Agora, vejo-me próximo do fim, mas minha

longa procura terminou e eu posse partir deste mundo em paz.

A voz do ancião enfraquecera, mas ele cerrou os punhos ossudos

e curvou-se para junto de Hafid.

– Ouça atentamente, meu filho, já que não terei forças para repetir

estas palavras.

Os olhos de Hafid estavam úmidos ao aproximar-se de seu amo.

Suas mãos tocaram-se e o grande vendedor inalou o ar com esforço.

– Lego-lhe agora este baú e seu valioso conteúdo, mas antes há

certas condições com as quais você deve concordar. No baú há uma

bolsa com cem talentos de ouro. Isso o capacitará a viver e comprar

um pequeno sortimento de tapetes com os quais você pode entrar no

mundo dos negócios. Poderia deixar-lhe grande riqueza, mas isso seria

um terrível desserviço. Muito melhor é que você se torne o maior e

mais rico vendedor do mundo, sozinho. Como vê, não me esqueci do

seu grande sonho.

“Parta imediatamente para Damasco. Lá, encontrará infinitas

oportunidades de aplicar o que os pergaminhos lhe ensinarão. Logo

que arranjar um alojamento, abra apenas o pergaminho Número Um.

Leia-o repetidamente, até entender por completo o método secreto que

ele descreve e que você usará para aprender os princípios do êxito em

vendas, contidos em todos os outros. Tão logo aprenda de cada pergaminho,

pode começar a vender os tapetes que comprou e, se combinar

o que aprender com a experiência que adquirir e continuar a estudar

cada pergaminho como foi instruído, suas vendas crescerão em número

a cada dia. Minha primeira condição, então, é que você prometa sob

juramento que seguirá as instruções do pergaminho Número Um. Concorda?

– Sim, senhor.

– Bom, bom... e, quando aplicar os princípios dos pergaminhos,

tornar-se-á muito mais rico do que jamais sonhou. Minha segunda

condição é que deve constantemente distribuir a metade de seus ganhos

com aqueles menos afortunados do que você. Não deve haver nenhum

desvio desta condição. Concorda?

– Sim, senhor.

– E, agora, a condição mais importante de todas. Você está

proibido de partilhar os pergaminhos ou a sabedoria neles contida com

os outros. Um dia surgirá alguém que lhe transmitirá um sinal, como a

estrela; suas ações generosas foram o sinal que eu procurava. Quando

isto acontecer, você reconhecerá o sinal, mesmo que a pessoa que o

transmite ignore ser ela a criatura escolhida. Quando seu coração lhe

assegurar que você está certo, então passará para ele ou ela o baú e seu

conteúdo, e quando isso for efetivado não haverá nenhuma necessidade

de impor condições ao recebedor como foram impostas a mim e agora,

por meu intermédio, a você. A carta que recebi muito tempo atrás

ordenava-me que o terceiro a recebê-los podia partilhar sua mensagem

com o mundo se assim o desejasse. Você promete executar essa terceira

condição?

– Prometo.

Pathros suspirou de alivio como se um grande peso tivesse sido

retirado de suas costas. Sorriu fracamente e colheu a face de Hafid na

concha de suas mãos ossudas.

– Pegue o baú e parta. Não mais o verei. Vá com o meu amor e

meus votos de êxito, e que possa sua Lisha finalmente partilhar toda a

felicidade que seu futuro trará.

As lágrimas rolavam sem receio pelas faces de Hafid ao pegar o

baú e atravessar a porta aberta do dormitório. Ele parou um instante do

lado de fora, colocou o baú no chão e voltou em direção ao seu amo:

– O fracasso jamais me surpreenderá se minha decisão de

vencer for suficientemente forte?

O ancião sorriu levemente e assentiu. E ergueu a mão em adeus.

Sete

Hafid montando seu animal, entrou na cidade murada de

Damasco pelo portão Sul. Tomou a rua chamada Reta, com dúvidas e

agitação, e o barulho e pregões de centenas de bazares amainaram-lhe

um pouco o medo. Uma coisa era chegar a uma grande cidade com

poderosa caravana comercial como a de Pathros; outra era chegar desprotegido

e sozinho. Mercadores de rua passavam por ele esbaforidos,

segurando mercadorias, cada um gritando mais alto do que o outro.

Passou por lojas cubiculares e bazares que mostravam artefatos de

caldeireiro, ourives, seleiro, tecelão, carpinteiro; e cada passo de sua

mula punha-o frente a frente com outro mascate, mãos estendidas,

chorando palavras de lamúria.

Logo adiante, além do muro ocidental da cidade, erguia-se o

Monte Hermon. Embora fosse verão, o branco coroava-lhe o cume

que parecia contemplar a cacofonia da feira com tolerância e

indulgência. Finalmente, Hafid saiu da famosa rua e procurou

alojamento, o que não lhe foi difícil encontrar, numa hospedaria

chamada Mosha. Seu quarto era asseado e ele pagou adiantado um

mês de aluguel, o que lhe deu um certo prestígio junto a Antonine, o

proprietário. Então, guardou o animal atrás da hospedaria, banhou-se

nas águas de Barada e retornou ao quarto.

Colocou o pequeno baú de cedro ao pé da cama e pôs-se a desatar

as correias. A tampa se abriu com facilidade e ele fitou os pergaminhos

de couro. Finalmente, estendeu a mão e tocou-os. Eles se moveram

acidentalmente parecendo vivos, e Hafid retirou a mão sobressaltado.

Ergueu-se e foi até a janela guarnecida de rótula por onde penetrava o

barulho da ruidosa feira que ficava a quase um quilômetro. O medo e a

dúvida de novo o assaltaram, ao olhar na direção de vozes veladas, e

sentiu a confiança minguar. Cerrou os olhos, encostou a cabeça na

parede e gritou alto:

– Que tolo sou eu! Pensar que um simples guardador de camelos

poderia ser um dia aclamado como o maior vendedor do mundo,

quando não tenho coragem sequer para passar montado pelas barracas

dos mascates na rua! Hoje os meus olhos testemunharam centenas de

vendedores, todos muito mais dotados em suas profissões do que eu.

Todos tinham ousadia, entusiasmo e persistência, todos pareciam equipados

para sobreviver na selva da feira. Quão estúpido e presunçoso

pensar que posso competir e superá-los! Pathros, meu Pathros, temo

que fracassarei com o senhor novamente.

Atirou-se à cama e, cansado de viajar, soluçou até dormir.

Amanhecia, quando despertou. Antes mesmo de abrir os olhos,

ouviu o canto dos pássaros. Sentou-se, então, e fitou com indiferença

o pardal empoleirado na tampa aberta do baú dos pergaminhos. Ele

correu para a janela. Lá fora, milhares de pardais em bandos, nas

figueiras e sicômoros, cada um saudando o dia com seu canto. Ao

olhar, alguns pousaram na beirada da janela, mas ao menor movimento

de Hafid rapidamente voaram para longe. Voltou-se, então, e fitou novamente

o baú. Seu visitante alado aprumou a cabeça e olhou também

o jovem.

Hafid aproximou-se lentamente, com as mãos estendidas. O

pássaro pulou-lhe para a palma da mão.

– Milhares de sua espécie estão lá fora, medrosos. Mas você teve

a coragem de atravessar a janela.

O pássaro bicou agudamente a pele de Hafid e o jovem levou-o

para a mesa, onde havia pão e queijo. Tirou pedaços e os colocou junto

ao amiguinho, que se pôs a comer.

Então ocorreu-lhe um pensamento e ele voltou à janela. Passou

as mãos nas aberturas das grades. Eram tão pequenas... parecia quase

impossível o pardal haver entrado. Foi quando recordou a voz de

Pathros e repetiu, alto, as palavras:

O fracasso jamais me surpreenderá, se minha decisão de vencer

for suficientemente forte.

Voltou para o baú e estendeu a mão. Um pergaminho de couro

estava mais gasto que os outros. Retirou-o da caixa e desenrolou-o

cuidadosamente. O medo que conhecera havia desaparecido. Olhou

então para o pardal. Também havia desaparecido. Apenas migalhas de

pão e queijo permaneciam como prova da visita da corajosa avezinha.

Hafid correu os olhos pelo pergaminho. Em cima lia-se O Pergaminho

Número Um. Pôs-se a ler o...

Oito

Pergaminho Número Um

Hoje começo uma nova vida.

Hoje mudo minha pele velha que sofreu, por muito tempo, as

machucaduras do fracasso e os ferimentos da mediocridade.

Hoje renasço e meu berço é uma vinha onde há frutas para todos.

Hoje colherei uvas de sabedoria da mais cheia e produtiva videira

da vinha, pois elas foram plantadas pelos mais sábios de minha profissão

que me antecederam, geração após geração.

Hoje provarei o sabor das uvas destas videiras e, em verdade,

engolirei a semente do êxito incrustada em cada uva para que uma

nova vida possa germinar dentro de mim.

A carreira que escolhi é plena de oportunidades, embora repleta

de desgostos e desapontamentos e, se os corpos daqueles que

fracassaram fossem empilhados um em cima do outro, lançariam sua

sombra sobre todas as pirâmides da Terra.

Contudo, eu não fracassarei como os outros, pois em minhas

mãos tenho agora o roteiro que me guiará por águas perigosas às praias

que, ontem mesmo, pareceriam apenas um sonho.

O fracasso não será mais pagamento pelo meu esforço. Assim

como a Natureza não preparou meu corpo para tolerar a dor, também

não determinou que minha vida sofra o fracasso. O fracasso, como a

dor, é elemento estranho a minha vida. No passado eu o aceitei, como

aceitei a dor. Agora eu rejeito a ambos e estou preparado para a sabedoria

e os princípios que me guiarão das sombras para a luz da riqueza,

posição e felicidade, bem além dos meus sonhos mais extravagantes,

quando até mesmo as maçãs douradas do Jardim das Hespérides me

parecerão justa recompensa.

O tempo ensina tudo para quem vive eternamente, mas não tenho

o luxo da eternidade. Contudo, dentro do tempo que me foi concedido,

devo praticar a paciência, pois a Natureza jamais age apressadamente.

Para criar a oliveira, rainha de todas as árvores, cem anos são necessários.

Em nove semanas a cebola já está velha. Eu tenho vivido como uma

cebola. Isto não me agrada. Agora, desejo tornar-me a maior das oliveiras

e, em verdade, o maior dos vendedores.

E como se realizará isto? Pois não tenho nem o conhecimento

nem a experiência para alcançar grandeza e já tropeço na ignorância e

caio nas águas da lamúria. A resposta é simples. Começarei minha

jornada desembaraçado do peso de conhecimentos desnecessários e

de obstáculos da experiência sobre trabalhos sem resultados. A Natureza

sempre me forneceu conhecimento e instinto maior do que a qualquer

animal da floresta, superior até mesmo ao valor da experiência em geral

superestimado por velhos que parecem sábios, mas falam tolices,

Em verdade, a experiência ensina a fundo, porém seu curso de

instrução devora os anos dos homens e dessa maneira o valor das lições

diminui com o tempo necessário para adquirir-se sua sabedoria especial.

Seu objetivo desperdiça-se com a morte dos homens. Ademais, a

experiência é comparável à moda; uma ação que resulta em êxito hoje

poderá ser inaproveitável e impraticável amanhã.

Apenas princípios permanecem e estes eu agora tenho em meu

poder, pois as leis que me levarão à grandeza estão contidas nas palavras

dos pergaminhos. O que eles ensinarão será mais evitar o fracasso do

que obter êxito, pois o que é o êxito senão um estado de espírito? Dois,

entre mil sábios, se tanto, definirão o êxito nas mesmas palavras,

enquanto o fracasso é sempre descrito de apenas um modo. O fracasso

e’ a incapacidade do homem em atingir seus objetivos na vida, sejam

eles quais forem.

Na verdade, a única diferença entre aqueles que falharam e aqueles

que tiveram sucesso está na diferença de seus hábitos. Bons hábitos

são a chave do sucesso. Maus hábitos são a porta aberta para o fracasso.

Assim, a primeira lei que obedecerei é: formarei bons hábitos e me

tornarei escravo deles.

Quando criança, fui escravo de meus impulsos; agora sou escravo

de meus hábitos, como todos os adultos. Abri mão de minha vontade

própria, cedendo aos anos de hábitos acumulados e os últimos feitos

de minha vida já parecem estar marcados por um destino que ameaça

aprisionar meu futuro. Minhas ações são ditadas pelo apetite, paixão,

preconceito, avidez, amor, medo, ambiente, hábito, e o pior de todos

estes tiranos é o hábito. Se, portanto, devo ser escravo do hábito, que

seja um escravo de bons hábitos. Meus maus hábitos devem ser

destruídos e novos sulcos preparados para boas sementes.

Eu formarei bons hábitos e me tornarei escravo deles.

E como realizarei esse difícil feito? Através destes pergaminhos,

pois cada um deles contém um princípio que expulsará o mau hábito

de minha vida e nela recolocará outro que me conduzirá para mais perto

do sucesso. Pois é outra das leis naturais que apenas um hábito pode

dominar outro hábito. Assim, para que estas palavras escritas realizem

a tarefa escolhida, devo disciplinar-me ao seguinte, que é o primeiro de

meus hábitos:

Eu lerei cada pergaminho por trinta dias seguidos, da maneira

recomendada, antes de passar ao pergaminho seguinte.

Primeiro, lerei as palavras em silêncio, ao acordar. Depois, lerei

em silêncio, após almoçar. Finalmente, lerei de novo, antes de retirarme

para o leito e, mais importante, nesta ocasião lerei em voz alta.

No dia seguinte, repetirei o processo e continuarei dessa maneira

por trinta dias. Tomarei, então, o pergaminho seguinte e repetirei esse

processo por outros trinta dias. Continuarei assim até viver com cada

pergaminho por trinta dias, e minha leitura se torne um hábito.

E o que será conquistado com esse hábito? Aqui está o segredo

oculto das conquistas humanas. Com a repetição das palavras

diariamente, elas logo se tornarão parte de minha mente ativa, porém,

mais importante, também se infiltrarão em minha outra mente, essa

misteriosa fonte que nunca dorme, que cria meus sonhos e

freqüentemente me faz agir de maneiras que mal percebo.

Assim que as palavras destes pergaminhos forem assimiladas pela

minha mente misteriosa, eu começarei a despertar, cada manhã, com

uma vitalidade que jamais conheci antes. Meu vigor aumentará, meu

entusiasmo se levantará, meu desejo de encontrar o mundo ultrapassará

qualquer medo que um dia conheci ao nascer do sol e serei mais feliz

do que jamais acreditei ser possível neste mundo de luta e tristeza.

Finalmente, encontrar-me-ei reagindo em todas as situações que

confrontar, como foi recomendado nos pergaminhos, e, logo, essas

ações e reações se tornarão fáceis de executar, pois cada ato, com a

prática, torna-se fácil.

Assim, nasce um novo e bom hábito, pois, quando um hábito se

torna fácil, através de constante repetição, é um prazer executá-lo e, se

é um prazer executá-lo, é da natureza do homem executá-lo

freqüentemente. Quando eu o executo freqüentemente, ele se torna

um hábito e eu me torno seu escravo; e desde que seja um bom hábito

é a minha vontade.

Hoje começo uma nova vida.

E juro solenemente a mim mesmo que nada retardará o

crescimento de minha nova vida. Não perderei um dia sequer destas

leituras, pois este dia não pode ser recuperado nem posso substitui-lo

por outro. Não devo, não quero quebrar o hábito de ler diariamente

estes pergaminhos e, em verdade, os poucos momentos passados cada

dia com este hábito são apenas um pequeno preço a pagar pela felicidade

e êxito que serão meus.

Ao ler e reler as palavras dos pergaminhos, nunca permitirei que

a brevidade ou a simplicidade de suas palavras me faça encarar a

mensagem como se fosse superficial. Milhares de uvas são amassadas

para encher uma jarra de vinho, e a casca da uva e sua polpa ainda são

bicadas pelos pássaros. Assim é com estas uvas de sabedoria das

gerações. Muito tem sido filtrado e abalado pelo vento. Apenas a verdade

pura permanece destilada nas palavras, para ser lembrada. Beberei

segundo as instruções e não perderei uma só gota. E absorverei a

semente do êxito.

Hoje minha pele velha se assemelha a poeira. Andarei altivo entre

os homens e eles me reconhecerão, pois hoje sou um novo homem,

com uma vida nova.

Nove

Pergaminho Número Dois

Saudarei este dia com amor no coração.

Pois este é o maior segredo do êxito em todas as aventuras. Os

músculos podem partir um escudo e até destruir a vida, mas apenas os

poderes invisíveis do amor podem abrir os corações dos homens, e até

dominar esta arte não serei mais que um mascate na feira. Farei do

amor minha maior arma e ninguém que a enfrente poderá defender-se

de sua força.

Podem opor-se ao meu raciocínio, desconfiar de meu discurso;

podem desaprovar meus trajes; podem rejeitar meu rosto; e podem até

suspeitar de meus negócios; contudo, meu amor enternecerá todos os

corações, comparável ao Sol cujos raios suavizam o mais frio barro.

Saudarei este dia com amor no coração.

E como o farei? De hoje em diante olharei todas as coisas com

amor e renascerei. Amarei o Sol porque aquece os meus ossos; não

obstante, amarei a chuva porque purifica meu espírito. Amarei a luz

porque me mostra o caminho; não obstante, amarei a escuridão porque

me faz ver as estrelas. Eu receberei a felicidade porque ela engrandece

o meu coração; não obstante, tolerarei a tristeza porque abre a minha

alma. Aceitarei prêmios porque são minhas recompensas; não obstante,

receberei de bom grado os obstáculos, porque eles são meu desafio.

Saudarei este dia com amor no coração.

E como falarei? Enaltecerei meus inimigos e eles se tornarão

amigos. Cavarei fundo, buscando razões para aplaudir; jamais arranjarei

justificativas para maldizer. Quando tentado a criticar, morderei a língua;

quando me decidir a elogiar alguém, falarei alto acima dos tetos.

Não é assim que os pássaros, o vento, o mar e toda a natureza

falam com a música de louvor pelo seu criador? Não posso conversar

no mesmo tom com seus filhos? De hoje em diante relembrarei este

segredo e mudarei minha vida.

Saudarei este dia com amor no coração.

E como agirei? Amarei todos os comportamentos dos homens,

pois cada um tem qualidades para ser admirado, mesmo se estiverem

ocultas. Com amor derrubarei o muro da suspeita e ódio que construíram

em volta dos corações e, em seu lugar, construirei pontes para que meu

amor possa entrar em suas almas.

Amarei as ambições, pois elas podem inspirar-me; amarei os

fracassos, pois eles podem ensinar-me. Amarei os reis, pois eles são

apenas humanos; amarei os humildes, pois eles são filhos de Deus.

Amarei os ricos, pois eles são, não obstante, solitários; amarei os pobres,

pois eles são muitos. Amarei os jovens, pela fé que têm; amarei os

velhos, pela sabedoria que partilham. Amarei os formosos, por seu olhar

de tristeza; amarei os feios, por suas almas de paz.

Saudarei este dia com amor no coração.

Mas como reagirei às reações dos outros? Com amor. Pois, sendo

a minha arma para abrir os corações dos homens, o amor é também o

meu escudo para repelir as setas do ódio e as lanças da ira. A adversidade

e o desencorajamento se chocarão contra meu novo escudo e se tornarão

como as chuvas mais brandas. Meu escudo me protegerá na feira e me

sustentará quando sozinho. Ele me reanimará em momentos de

desespero e, contudo, me acalmará na exultação. Tornar-me-ei mais

forte e mais protegido usando-o até o dia em que ele seja parte de mim,

e andarei desembaraçado entre todos os comportamentos dos homens,

e meu nome se erguera alto na pirâmide da vida.

Saudarei este dia com amor no coração.

E como enfrentarei cada um que encontrar?

De apenas um modo. Em silêncio, e, para mim mesmo, dir-lheei:

“Eu Amo Você.” Embora ditas em silêncio, estas palavras brilharão

em meus olhos, desenrugarão minha fronte, trarão um sorriso a meus

lábios e ecoarão em minha voz; e o coração dele se abrirá. E quem dirá

não às minhas mercadorias quando seu coração sente meu amor?

Saudarei este dia com amor no coração.

E acima de tudo amarei a mim mesmo, pois, quando o fizer,

zelosamente inspecionarei todas as coisas que entraram em meu corpo,

minha mente, minha alma e meu coração. Jamais abusarei das

solicitações da carne, mas, sobretudo, cuidarei de meu corpo com asseio

e moderação. Jamais permitirei que minha mente seja atraída para o

mal e o desespero, mas sobretudo a elevarei, com o conhecimento e a

sabedoria das gerações. Jamais permitirei que minha alma se torne complacente

e satisfeita, mas haverei de alimentá-la com meditação e oração.

Jamais permitirei que meu coração se amesquinhe e padeça, mas

compartilhá-lo-ei e ele crescerá e aquecerá a Terra.

Saudarei este dia com amor no coração.

De hoje em diante amarei a humanidade. Deste momento em

diante todo o ódio desaparece de minhas veias, pois não tenho tempo

para odiar, apenas para amar. Deste momento em diante dou o primeiro

passo necessário para me tornar um homem entre homens. Com amor,

aumentarei minhas vendas cem vezes mais e me tornarei um grande

vendedor. Se nenhuma outra qualidade possuo, posso ter êxito apenas

com o amor. Sem ele eu fracassarei, embora possua todo o

conhecimento e as técnicas do mundo.

Saudarei este dia com amor e terei êxito.

Dez

Pergaminho Número Três

Persistirei até vencer.

No Oriente, os touros jovens são testados para o combate na

arena de um modo apropriado. São levados um a um para a arena, e

permite-se que ataquem o picador que os provoca com uma lança. A

bravura de cada touro é então avaliada com cuidado segundo o número

de vezes que demonstra persistência para investir apesar da ferroada da

lâmina, De hoje em diante reconhecerei que cada dia sou testado pela

vida do mesmo modo. Se persisto, se continuo a tentar, se continuo a

investir, serei bem-sucedido.

Persistirei até vencer.

Eu não cheguei a este mundo numa situação de derrota, nem o

fracasso corre em minhas veias. Não sou ovelha à espera de que meu

pastor me aguilhoe e acaricie, mas um leão, e me recuso a falar, andar e

dormir com o rebanho. Não ouvirei aqueles que se intimidam e se

queixam, pois tal doença é contagiosa. Eles que se unam ao rebanho.

O matadouro do fracasso não é o meu destino.

Persistirei até vencer.

Os prêmios da vida estão no fim de cada jornada, não próximos

do começo; não me é dado saber quantos passos são necessários a fim

de alcançar o objetivo. O fracasso pode ainda se encontrar no milésimo

passo, mas o sucesso se esconde atrás da próxima curva da estrada.

Jamais saberei a que distância está, a não ser que dobre a curva.

Sempre darei um passo avante. Se este não resultar em nada,

darei outro e mais outro. Em verdade, dar um passo de cada vez não é

difícil.

Persistirei até vencer.

De hoje em diante, considerarei o esforço de cada dia como um

golpe do meu machado no poderoso carvalho. O primeiro golpe pode

não causar tremor na madeira, nem o segundo, nem o terceiro. Cada

golpe pode parecer insignificante e sem nenhuma conseqüência.

Contudo, a custo de tais golpes, o carvalho finalmente tombará. Assim

também será com os meus esforços de hoje.

Sou comparável a uma gota de chuva que lava a montanha; à

formiga que devora o tigre; à estrela que ilumina a Terra; ao escravo

que constrói uma pirâmide. Construirei meu castelo com um tijolo de

cada vez, pois sei que pequenas tentativas repetidas completarão

qualquer empreendimento.

Persistirei até vencer.

Jamais aceitarei a derrota, e retirarei de meu vocabulário palavras

e expressões como “desistir”, “não posso”, “incapaz”, “impossível”,

“fora de cogitação”, “improvável”, “fracasso”, “impraticável”, “sem

esperança” e “recuo”, pois são palavras e expressões de tolos. Evitarei

o desespero, mas se essa doença da mente me contagiar, então

prosseguirei, mesmo em desespero. Trabalharei firme e permanecerei.

Ignorarei os obstáculos sob meus pés e manterei meus olhos firmes

nos objetivos acima de minha cabeça, pois sei que onde um deserto

árido termina, a grama verde nasce.

Persistirei até vencer.

Eu me lembrarei das velhas leis comuns e as usarei em meu

benefício. Persistirei com o conhecimento de que cada fracasso em

vender aumentará minha oportunidade de êxito na tentativa seguinte.

Cada “não” que ouvir me trará para junto do som do “sim”. Cada

sobrolho franzido que encontrar apenas me preparará para o sorriso

que chega. Cada infortúnio com que me deparar trará consigo a semente

da sorte do amanhã. Eu preciso da noite para apreciar o dia. Devo fracassar

muito para alcançar o sucesso definitivo.

Persistirei até vencer.

Tentarei e tentarei e tentarei de novo. Cada obstáculo, considerarei

como um mero atraso em relação ao meu objetivo e um desafio à minha

profissão. Persistirei e desenvolverei minhas técnicas como um

marinheiro desenvolve a sua, aprendendo a escapar da fúria de cada

tempestade.

Persistirei até vencer.

De hoje em diante, aprenderei e aplicarei outro segredo importante

para o sucesso do meu trabalho. Ao findar de cada dia, independente

de êxito ou fracasso, tentarei efetuar mais uma venda. Quando os meus

pensamentos acenarem com o caminho de casa ao meu corpo cansado,

resistirei à tentação de partir. Tentarei novamente, farei uma tentativa

mais para fechar com vitória e, se fracassar, farei outra. Jamais permitirei

que o dia termine com um fracasso. Assim, plantarei a semente do

êxito de amanhã e ganharei uma insuperável vantagem sobre aqueles

que interrompem o trabalho a uma determinada hora. Quando outros

interrompem suas lutas, então a minha começará e minha colheita será

plena.

Persistirei até vencer.

Não permitirei que o êxito de ontem me embale na complacência

de hoje, pois essa é a grande razão do fracasso. Esquecerei os

acontecimentos do dia anterior, sejam eles bons ou maus, e saudarei o

novo sol com a confiança de que este será o melhor dia de minha vida.

Até onde o fôlego me acompanhar, persistirei. Pois agora conheço

um dos maiores princípios do êxito; se persisto o bastante, vencerei.

Eu persistirei.

Eu vencerei.

Onze

Pergaminho Número Quatro

Eu sou o maior milagre da natureza.

Desde o começo dos tempos jamais houve outro com minha

mente, meu coração, meus olhos, meus ouvidos, minhas mãos, meu

cabelo, minha boca. Ninguém que me antecedeu, ninguém que ainda

vive, nem ninguém que virá pode andar e falar e pensar exatamente

como eu. Todos os homens são meus irmãos, porém sou diferente deles

todos. Sou uma criatura única em todo o universo.

Eu sou o maior milagre da natureza.

Embora eu seja do reino animal, os prazeres apenas animais não

me satisfazem. Dentro de mim arde a chama que tem passado de

gerações incontáveis, e seu calor é uma constante incitação para o meu

espírito, para me tornar melhor do que sou, e melhor me tornarei.

Soprarei esta chama da insatisfação e proclamarei minha singularidade

ao mundo.

Ninguém é capaz de reproduzir minha pincelada, ninguém é capaz

de repetir as marcas de meu cinzel, ninguém é capaz de reproduzir

minha caligrafia, ninguém é capaz de fornecer o meu produto, e, em

verdade, ninguém tem a habilidade para vender exatamente como eu.

De hoje em diante, aproveitarei esta diferença, pois é uma garantia a

ser inteiramente incentivada.

Eu sou o maior milagre da natureza.

Basta, para mim, de vãs tentativas ou imitações dos outros. Em

vez disto, colocarei minha singularidade à mostra na feira. Eu a

proclamarei, sim, eu a venderei. Começarei agora a acentuar minhas

diferenças, a ocultar as similaridades. Da mesma forma, aplicarei este

principio às mercadorias que vender. Vendedor e mercadorias diferentes

dos outros e orgulhoso das diferenças.

Sou uma criatura única na natureza.

Sou raro, e há um valor em toda raridade; portanto, sou valioso.

Sou o produto final de milhares de anos de evolução; portanto, estou

melhor equipado em mente e corpo do que todos os imperadores e

sábios que me precederam.

Mas minhas técnicas, minha mente, meu coração e meu corpo

estagnarão, degenerarão e morrerão se não forem colocados em uso.

Tenho potencial ilimitado. Emprego somente uma parte de meu cérebro;

flexiono apenas uma desprezível porção de meus músculos. Posso

centuplicar minhas realizações de ontem, e é o que farei a partir de

hoje.

Jamais ficarei satisfeito com as realizações de ontem, nem me

entregarei mais à vanglória dos meus feitos que, em realidade, são

pequenos demais para serem sequer reconhecidos. Posso realizar muito

mais, e realizarei, pois por que deveria o milagre que me produziu findarse

com o meu nascimento? Por que não posso estender este milagre

aos feitos de hoje?

Eu sou o maior milagre da natureza.

Não estou nesta terra por acaso. Estou para um propósito, e esse

propósito é crescer como uma montanha e não me encolher ao tamanho

de um grão de areia. De hoje em diante aplicarei todos os meus esforços

para me tornar a mais alta montanha e forçarei minhas capacidades até

que elas peçam misericórdia.

Aumentarei meu conhecimento da humanidade, o meu próprio

e das mercadorias que vendo; assim minhas vendas se multiplicarão.

Praticarei e melhorarei e aperfeiçoarei meu vocabulário para vender

minhas mercadorias, pois este é o fundamento sobre o qual construirei

minha carreira, e jamais esquecerei que muitos atingiram grande riqueza

e êxito com apenas uma apregoação, pronunciada com excelência.

Também procurarei constantemente melhorar meus modos e virtudes,

pois eles são o açúcar que a todos atrai.

Eu sou o maior milagre da natureza.

Concentrarei minha energia no desafio do momento e minhas

ações me ajudarão a esquecer tudo o mais. Os problemas caseiros em

casa serão deixados. Não pensarei em minha família quando estiver na

feira; isso viria obscurecer meus pensamentos. Da mesma maneira os

problemas da feira na feira serão deixados, e não pensarei em minha

profissão quando estiver em casa, pois isto embotará o meu amor.

Não há lugar na feira para minha família, nem há lugar em meu

lar para a feira. Divorciarei um do outro e assim permanecerei casado

com ambos. Separados devem permanecer ou minha carreira morrerá.

Este é um paradoxo das gerações.

Eu sou o maior milagre da natureza.

Recebi olhos para ver e mente para pensar, e agora conheço um

grande segredo da vida, pois percebo, finalmente, que todos os meus

problemas, desânimos e agitações são, em verdade, grandes

oportunidades disfarçadas. Não mais serei enganado pela aparência

dos outros, pois meus olhos estão abertos. Olharei mais do que a roupa

e não serei iludido.

Eu sou o maior milagre da natureza.

Nenhum animal, nenhuma planta, nenhum vento, nenhuma

chuva, nenhuma pedra, nenhum lago teve o mesmo começo que eu,

pois fui concebido em amor e trazido à luz com um propósito. No

passado não havia examinado este fato, mas de hoje em diante ele

modelará e norteara minha vida.

Eu sou o maior milagre da natureza.

E a natureza não conhece derrota. Por fim, ela emerge vitoriosa e

assim emergirei eu, e após cada vitória a próxima luta se torna menos

difícil.

Vencerei e me tornarei um grande vendedor, pois sou uma pessoa

única no universo.

Eu sou o maior milagre da natureza.

Doze

Pergaminho Número Cinco

Viverei hoje como se fosse meu último dia.

E agora o que farei com este último e precioso dia que resta em

meu poder? Primeiro, tamparei seu conteúdo de vida para que nenhuma

gota se derrame na areia. Não desperdiçarei um momento sequer

cultivando os infortúnios ou as derrotas do ontem, as dores de coração,

pois por que deveria eu desperdiçar o bem lembrando-me do mal?

Poderá a areia escorrer do chão para a taça do tempo? levantarse-

á o sol de onde se põe e se porá de onde se levanta? Posso reviver os

erros do ontem e corrigi-los? Posso chamar de volta os ferimentos do

ontem e curá-los? Posso tornar-me mais jovem do que era ontem?

Posso retirar o mal que fiz, os socos que dei, a dor que causei? Não. O

ontem está enterrado para sempre e nele não mais pensarei.

Viverei hoje como se fosse meu último dia.

E agora o que farei? Esquecendo o ontem também não pensarei

no futuro. Por que deveria eu trocar o agora pelo talvez? Pode a areia

de amanhã escorrer para a taça antes de hoje? Levantar-se-á o sol duas

vezes esta manhã? Posso executar os feitos de amanhã enquanto estiver

na trilha de hoje? Posso colocar o ouro de amanhã na bolsa do hoje?

Pode a criança de amanhã nascer hoje? Pode a morte de amanhã lançar

suas sombras de volta e enegrecer a alegria de hoje? Deveria

preocupar-me com os eventos que talvez jamais testemunhe? Deveria

me atormentar com os problemas que talvez jamais venha a ter? Não!

O amanhã está tão enterrado quanto o ontem e não pensarei mais nisso.

Viverei hoje como se fosse meu último dia.

Este dia é tudo o que tenho e estas horas são agora a minha

eternidade. Saúdo este nascer do sol com gritos de alegria, como um

prisioneiro que é aliviado da sentença de morte. Ergo meus braços em

gratidão por esta dádiva sem preço: um novo dia. Da mesma maneira,

levarei a mão ao peito em gratidão ao pensar naqueles que saudaram o

nascer do sol do ontem e que não mais estão entre os vivos. Sou

realmente um afortunado e as horas do hoje não são senão um prêmio

imerecido. Por que me foi permitido viver este dia extra quando outros,

muito melhores do que eu, já desapareceram? Será que eles realizaram

seus propósitos enquanto o meu ainda está por alcançar? Será esta

uma outra oportunidade para que eu me torne o homem que poderei

ser? Há um propósito na natureza? Será este o meu dia de vencer?

Viverei hoje como se fosse meu último dia.

Não tenho senão uma vida e a vida não é nada mais que uma

medida de tempo. Ao perder tempo, destruo a vida. Se desperdiço o

hoje, destruo a última página de minha vida. Aproveitarei, portanto,

cada hora deste dia, pois ela jamais poderá voltar. Ela não pode ser

depositada hoje para ser retirada amanhã, pois quem pode burlar o

vento? Agarrarei com as duas mãos e acariciarei com amor cada minuto

deste dia, pois seu valor é sem preço. Que moribundo pode comprar

outro fôlego, embora, de bom grado, dê todo o seu ouro? Que preço

ouso fixar para as horas adiante de mim? Eu as farei inestimáveis!

Viverei hoje como se fosse meu último dia.

Evitarei com fúria os desperdiçadores de tempo. A demora

destruirei com ações; a dúvida enterrarei sob a fé; o medo desmembrarei

com confiança. Onde houver bocas ociosas não ouvirei nada; onde

houver mãos ociosas não me demorarei; onde houver corpos ociosos

não visitarei. De hoje em diante, sei que cortejar a ociosidade é roubar

alimento, roupa e calor daqueles que amo. Não sou ladrão. Sou um

homem de amor e hoje é minha última oportunidade de provar meu

amor e minha grandeza.

Viverei hoje como se fosse meu último dia.

Cumprirei hoje os deveres de hoje. Hoje acariciarei meus filhos

enquanto são crianças; amanhã eles partirão e eu também. Hoje

abraçarei minha mulher com doces beijos; amanhã ela partirá e eu

também. Hoje ajudarei um amigo em necessidade; amanhã ele não

mais gritará por ajuda, nem eu ouvirei seus gritos. Hoje me entregarei

ao sacrifício e ao trabalho; amanhã não terei nada para entregar e nem

haverá ninguém para receber,

Viverei hoje como se fosse meu último dia.

E se for será meu maior monumento. Farei deste o melhor dia de

minha vida. Beberei a cada minuto à sua plenitude. Provarei seu sabor

e agradecerei aos céus. Farei valer todas as horas e negociarei cada

minuto somente por alguma coisa de valor. Trabalharei mais arduamente

do que jamais trabalhei e forçarei meus músculos até que chorem de

dor, e então prosseguirei. Farei até mais visitas do que antes. Venderei

mais mercadorias do que jamais vendi antes. Ganharei mais ouro do

que jamais ganhei antes. Cada minuto do dia de hoje será mais frutífero

do que horas do dia de ontem. Meu último dia deve ser meu melhor

dia.

Viverei hoje como se fosse meu último dia.

E, se não for, cairei de joelhos e agradecerei aos céus.

Treze

Pergaminho Número Seis

Hoje serei dono de minhas emoções.

As marés avançam; as marés recuam. Vai o inverno, vem o verão.

Finda-se o calor, começa o frio. Levanta-se o Sol; põe-se o Sol. Clara é

a Lua cheia, negra é a Lua nova. Chegam os pássaros; partem os

pássaros. Florescem as flores, murcham as flores. Plantam-se as

sementes, colhem-se as colheitas. Toda a natureza é um círculo de

ânimos; eu sou uma parte da natureza e, assim como as marés, meus

ânimos se elevarão, meus ânimos cairão.

Hoje serei dono de minhas emoções.

É uma das artimanhas pouco percebidas da natureza que cada

dia acorde com ânimos diferentes dos da véspera. A alegria de ontem

será a tristeza de hoje; já a tristeza de hoje se transformará na alegria de

amanhã. Dentro de mim há uma roda constantemente a girar, da tristeza

para a alegria, da exultação para a depressão, da felicidade para a

melancolia. Como as flores, a florescência plena da alegria de hoje

fenecerá e murchará em desespero; porém, relembrarei que, como as

flores mortas de hoje carregam a semente da florescência de amanhã,

assim também a tristeza de hoje carrega a semente da alegria de amanhã.

Hoje serei dono de minhas emoções.

E como dominar essas emoções, para que cada dia seja produtivo?

Pois, a não ser que o meu ânimo seja forte, o dia será um fracasso. As

árvores e as plantas dependem da temperatura para florescerem, mas

eu farei minha própria temperatura, sim, eu a transportarei comigo. Se

eu trouxer a chuva, a melancolia, a escuridão e o pessimismo aos meus

fregueses, eles reagirão com chuva, melancolia, escuridão e pessimismo

e não comprarão nada. Mas, em vez disso, se lhes trouxer alegria,

entusiasmo, claridade e riso, eles reagirão com alegria, entusiasmo,

claridade e riso e minha temperatura produzira uma colheita de vendas

e um celeiro cheio de ouro.

Hoje serei dono de minhas emoções.

E como dominarei minhas emoções para que cada dia traga a

felicidade e seja produtivo? Aprenderei este segredo das gerações; Fraco

é aquele que permite que seus pensamentos controlem suas ações;

forte e aquele que força suas ações a controlar seus pensamentos.

Cada dia, ao acordar, seguirei este plano de batalha antes que seja

capturado pelas forças da tristeza, da lamúria e do fracasso:

Cantarei, se me sentir deprimido.

Rirei, se me sentir triste.

Redobrarei meu trabalho, se me sentir doente.

Avançarei, se sentir medo.

Vestirei roupas novas, se me sentir inferior.

Erguerei minha voz, se me sentir inseguro.

Relembrarei meu êxito passado, se me sentir incompetente.

Relembrarei meus objetivos, se me sentir insignificante.

Hoje serei dono de minhas emoções.

De hoje em diante saberei que apenas os de capacidade inferior

podem estar sempre em sua melhor forma e eu não sou inferior. Dias

haverá em que terei de lutar contra forças que me derrubariam, se

pudessem. Os desesperados e os tristes são fáceis de conhecer, mas há

quem virá com sorriso e mão de amizade, e pode destruir-me. Também

contra esse jamais devo ceder o controle.

Recordarei meus fracassos, se me tornar confiante demais.

Pensarei nas fomes passadas, se abusar do presente.

Relembrarei minha luta, se me sentir complacente.

Relembrarei momentos de vergonha, se me entregar a momentos

de grandeza.

Tentarei parar o vento, se me sentir com poder demais.

Relembrarei uma boca sem alimento, se atingir grande riqueza.

Relembrarei momentos de fraqueza, se me tornar demasiado

orgulhoso.

Fitarei as estrelas ao sentir que minhas técnicas são inigualáveis.

Hoje serei dono de minhas emoções.

E, com este novo conhecimento, também entenderei e

reconhecerei os ânimos daquele a quem visito. Permitirei que extravase

sua ira e irritação de hoje, pois ele não conhece o segredo de controlar

sua mente. Posso tolerar-lhe as setas e insultos, pois agora sei que

amanhã ele mudará e, então, será uma alegria aproximar-me dele.

Não mais julgarei um homem apenas por um encontro; não mais

deixarei de visitar amanhã, de novo, aquele que se encontra irado hoje.

Neste dia ele não dará um tostão por artigos de ouro; amanhã, trocará

sua casa por uma árvore. Meu conhecimento deste segredo será minha

chave para a grande riqueza.

Hoje serei dono de minhas emoções.

De hoje em diante, reconhecerei e identificarei o mistério dos

ânimos em toda a humanidade e em mim. A partir de hoje estou

preparado para controlar qualquer estado de espírito com que desperte

cada dia. Serei dono de meus ânimos pela ação positiva e, enquanto

for dono de meus ânimos, controlarei o meu destino.

Hoje controlarei o meu destino e meu destino é tornar-me o maior

vendedor do mundo.

Serei dono de mim mesmo.

Serei grande.

Quatorze

Pergaminho Número Sete

Rirei do mundo.

Nenhuma criatura viva ri, à exceção do homem. As árvores podem

sangrar quando feridas e os animais no campo gritarão de dor e fome,

mas apenas eu tenho o dom de rir, e ele é meu, para usar quando o

desejar. De hoje em diante, cultivarei o habito de rir.

Sorrirei e minha digestão será melhor; rirei baixinho e minhas

obrigações serão aliviadas; rirei e minha vida se alongará, pois este é o

segredo da vida longa, e agora é meu.

Rirei do mundo.

E principalmente rirei de mim mesmo, pois o homem é mais

cômico quando se leva a sério demais. Jamais cairei nesta armadilha da

mente. Pois, embora eu seja o milagre da natureza, não sou ainda um

mero grão jogado para lá e para cá pelos ventos do tempo? Sei eu

realmente de onde vim e para onde vou? Não parecerá tola minha

preocupação de hoje, daqui a dez anos? Por que devo permitir que os

mesquinhos acontecimentos de hoje me perturbem? O que pode ocorrer

ante este Sol, que não parecerá insignificante no rio dos séculos?

Rirei do mundo.

E como posso rir, quando confrontado com o homem ou o feito

que me ofende de maneira a fazer brotar minhas lágrimas e minhas

imprecações? Três palavras ensaiarei dizer, até que se tornem um hábito

tão forte que, imediatamente, aparecerão em minha mente, a qualquer

momento que o bom humor ameaçar abandonar-me. Essas palavras,

passadas pelos antigos, me conduzirão por toda a adversidade e

manterão minha vida em equilíbrio. As três palavras são: Isto tambem

passará.

Rirei do mundo.

Pois todas as coisas ditas, na verdade, passarão. Quando estiver

abatido pelo desgosto, devo consolar-me, pois isto também passará;

quando estiver enfunado com o êxito, devo advertir-me de que isto

também passará; quando estiver carregado de riqueza, direi para mim

mesmo que isto também passará. Sim, pois, em verdade, onde está

aquele que construiu as pirâmides? Não esta soterrado dentro de sua

pedra? E também não serão as pirâmides soterradas pela areia? Se todas

as coisas um dia passarão, por que deveria eu preocupar-me com o

hoje?

Rirei do mundo.

Pintarei este dia com risos; modelarei esta noite numa canção.

Jamais trabalharei para ser feliz; mas, sobretudo, permanecerei ocupado

demais para ser triste. Desfrutarei hoje a felicidade de hoje. Ela não é

um grão para ser armazenada numa caixa. Ela não é vinho para ser

guardada na jarra. Ela não pode ser guardada para o dia seguinte. Deve

ser plantada e colhida no mesmo dia e isto eu farei, de hoje em diante.

Rirei do mundo.

E, com meus risos, todas as coisas serão reduzidas ao seu real

tamanho. Rirei dos meus fracassos e eles desaparecerão nas nuvens de

novos sonhos; rirei de meus êxitos e eles se encolherão aos seus reais

valores. Rirei do mal e ele morrerá esquecido; rirei da bondade e ela se

esforçará e crescerá. Cada dia será triunfante apenas quando meus

sorrisos provocarem sorrisos dos outros e isso farei até com os que

não compram minhas mercadorias, evitando aborrecer-me como fazia

até agora.

Rirei do mundo.

De hoje em diante derramarei apenas lágrimas de suor, pois as

de tristeza, de remorso ou de frustração não têm valor na feira, enquanto

que cada sorriso pode ser trocado por ouro e cada palavra gentil saída

de meu coração pode construir um castelo.

Jamais permitirei tornar-me tão importante, tão sábio, tão

imponente e tão poderoso que esqueça de como rir de mim mesmo e

do meu mundo. Assim, sempre permanecerei uma criança, pois apenas

como criança recebo a capacidade de erguer os olhos para os outros; e,

enquanto erguer os olhos para os outros, jamais serei grande demais

para a minha cama.

Rirei do mundo.

E enquanto rir jamais serei pobre. É esta, então, uma das maiores

dádivas da natureza e eu não mais a desperdiçarei. Apenas com o sorriso

e a felicidade posso eu realmente tornar-me um êxito. Apenas com o

sorriso e a felicidade posso apreciar os frutos de meu trabalho. Se assim

não fosse, muito melhor seria fracassar, pois a felicidade é o vinho que

aguça o sabor da comida. Para apreciar o êxito devo ter felicidade e o

sorriso será o criado que me servirá.

Serei feliz.

Terei êxito.

Serei o maior vendedor que o mundo jamais conheceu.

Quinze

Pergaminho Número Oito

Hoje centuplicarei meu valor.

Uma folha de amoreira, tocada pelo gênio do homem, torna-se

seda.

Um campo de barro, tocado pelo gênio do homem, torna-se um

castelo.

Um cipreste, tocado pelo gênio do homem, torna-se um santuário.

A lã tosquiada da ovelha, tocada pelo gênio do homem, torna-se

vestuário para um rei.

Se é possível às folhas, ao barro, à madeira e à lã terem seu valor

centuplicado, sim, multiplicado pelo homem, não posso eu fazer o

mesmo com o barro que leva meu nome?

Hoje centuplicarei meu valor.

Sou comparável ao grão de trigo que enfrenta um de três futuros.

O trigo pode ser ensacado e armazenado num depósito até servir de

alimento ao suíno. Ou pode virar farinha e fazer o pão. Ou pode ser

lançado à terra e crescer até que sua espiga dourada divida-se e produza,

de um, milhares de grãos.

Sou comparável ao grão de trigo, com apenas uma diferença. O

trigo não pode escolher entre ser alimento do suíno, base da farinha,

ou plantado para multiplicar-se. Eu posso escolher e não deixarei que

minha vida seja alimento do suíno, nem a deixarei colocar-se sob as

rodas do fracasso e do desespero para ser despedaçada e devorada

pela vontade dos outros.

Hoje centuplicarei meu valor.

Para crescer e multiplicar é necessário plantar o grão de trigo na

escuridão da terra e meus fracassos, meus desesperos, minha ignorância

e minhas inabilidades são a escuridão em que fui plantado a fim de

amadurecer-me. Agora, como o grão de trigo que brota e floresce é

apenas nutrido com chuva e sol e ventos quentes, eu também devo

nutrir meu corpo e minha mente para realizar meus sonhos. Mas, para

crescer a grande altura, o trigo deve esperar pelos caprichos da natureza.

Eu não necessito esperar, pois tenho o poder de escolher meu próprio

destino.

Hoje centuplicarei meu valor.

E como realizarei isto? Primeiro, estabelecerei objetivos para cada

dia, cada semana, cada mês, cada ano e para minha vida. Assim como

a chuva deve cair antes que o trigo quebre a casca e brote, assim também

devo ter objetivos antes que minha vida se cristalize. Ao estabelecer

meus objetivos, pensarei em meu melhor desempenho no passado e o

centuplicarei. Este será o padrão sobre o qual viverei no futuro. Jamais

me preocuparei com a elevada altura de meus objetivos, pois não é

melhor apontar minha lança para a lua e atirá-la apenas numa águia do

que apontá-la para a águia e acertar apenas na rocha?

Hoje centuplicarei meu valor.

A altura dos meus objetivos não me apavorará, embora possa

tropeçar freqüentemente antes de alcançá-los. Se tropeçar, levantarme-

ei e minhas quedas não me preocuparão, pois todos os homens

devem tropeçar muitas vezes para alcançar a glória. Apenas o verme é

livre da preocupação de tropeços. Eu não sou um verme. Que os outros

construam uma caverna com seus barros. Eu construirei um castelo

com o meu.

Hoje centuplicarei meu valor.

E assim, como o Sol aquece a terra para fazer com que brote a

semente de trigo, também as palavras destes pergaminhos aquecerão

minha vida e transformarão meus sonhos em realidade. Hoje superarei

toda ação que executei ontem. Subirei a montanha do hoje com o

extremo de minha capacidade, amanhã subirei mais alto que hoje e, no

dia seguinte, mais alto que na véspera. Superar os feitos dos outros é

importante; superar meus próprios feitos, é tudo.

Hoje centuplicarei meu valor.

E assim como o vento quente conduz o trigo à madureza, o

mesmo vento levará minha voz aos que me darão ouvidos, e minhas

palavras anunciarão meus objetivos. Uma vez pronunciadas, não ousarei

recordá-las para que não percam a expressão. Serei meu próprio profeta,

e embora todos possam rir de minhas alocuções eles ouvirão meus

planos, conhecerão meus sonhos; e assim não haverá saída para mim

até que minhas palavras se tornem feitos realizados.

Hoje centuplicarei meu valor.

Não cometerei o terrível crime de aspirar a pouco demais.

Executarei o trabalho que o fracasso não executará.

Sempre deixarei o meu desígnio exceder a minha compreensão.

Jamais me contentarei com o meu desempenho na feira.

Sempre elevarei meus objetivos tão logo os atinja.

Sempre me esforçarei para fazer a próxima hora melhor do que a

hora presente.

Sempre anunciarei meus objetivos ao mundo.

Contudo, jamais proclamarei minhas realizações. Deixarei, ao

contrário, que o mundo se aproxime de mim com louvores e que eu

possa ter a sabedoria de recebê-los com humildade.

Hoje centuplicarei meu valor.

Um grão de trigo quando centuplicado produzirá centenas de

talos. Centuplique-os dez vezes e eles alimentarão todas as cidades da

Terra. Não sou eu mais do que um grão de trigo?

Hoje centuplicarei meu valor.

E, feito isso, repetirei a façanha e repetirei de novo e haverá

espanto e estupefação diante de minha grandeza, assim que as palavras

destes pergaminhos se cumprirem em mim.

Dezesseis

Pergaminho Número Nove

Meus sonhos são insignificantes, meus planos são poeira, meus

objetivos são impossíveis.

Todos nada valem, a não ser seguidos por ação.

Agirei agora.

Jamais existiu mapa, por mais cuidadosamente executado em

detalhe e escala, que elevasse seu possuidor um só centímetro do chão.

Jamais houve uma lei, conquanto honesta, que impedisse um crime.

Jamais houve um pergaminho, mesmo como este que agora tenho nas

mãos, que ganhasse um tostão sequer ou produzisse uma única palavra

de aclamação. Somente a ação transforma o mapa, o papel, este pergaminho,

meus sonhos, meus planos, meus objetivos em força viva. A

ação é o alimento e a bebida que nutrirá o meu êxito.

Agirei agora.

Minha acomodação, que me atrasa, nasceu do medo, e agora

reconheço este segredo tirado das profundezas de todos os corações

corajosos. Agora sei que para vencer o medo devo sempre agir sem

hesitação e as hesitações do meu coração desaparecerão. Agora sei

que a ação reduz o leão do terror à formiga da equanimidade.

Agirei agora.

De hoje em diante, relembrarei a lição do vaga-lume que acende

sua luz apenas quando voa, apenas quando está em ação. Tornar-me-ei

um vaga-lume e, mesmo durante o dia, meu fulgor será visto, apesar

do sol. Que os outros sejam como borboletas que alisam suas asas,

mas dependem da caridade de uma flor para viver. Serei como o vagalume

e minha luz iluminará o mundo.

Agirei agora.

Não evitarei as tarefas de hoje e não as deixarei para amanhã,

pois sei que o amanhã jamais chega. Deixe-me agir agora, mesmo que

minhas ações possam não trazer felicidade ou êxito, pois é melhor agir

e fracassar do que não agir e atrapalhar-me. A felicidade, em verdade,

pode não ser o fruto colhido pela minha ação, mas sem ação todo fruto

morrerá na vinha.

Agirei agora.

Agirei agora. Agirei agora. Agirei agora. De hoje em diante,

repetirei estas palavras sempre e sempre, cada hora, cada dia, até que

elas se tornem um hábito como minha respiração e as ações que se

seguirem tornem-se tão instintivas como o piscar de meus olhos. Com

estas palavras posso condicionar minha mente a executar tudo que

seja necessário ao meu êxito Com estas palavras posso condicioná-la a

enfrentar todos os desafios que o fracasso evita.

Agirei agora.

Repetirei estas palavras sempre e sempre.

Ao acordar, eu as pronunciarei e pularei da cama, enquanto o

fracasso dorme uma hora mais.

Agirei agora.

Ao entrar na feira, eu as repetirei e imediatamente enfrentarei a

primeira possibilidade, enquanto o fracasso pondera, ainda, se valerá a

pena.

Agirei agora.

Ao encontrar uma porta fechada, eu repetirei as palavras, e baterei

enquanto o fracasso espera lá fora com medo e agitação.

Ao me defrontar com a tentação eu as repetirei outra vez e agirei

imediatamente para afastar-me da maldade.

Agirei agora.

Ao ser tentado a desistir e recomeçar amanhã, eu as pronunciarei

e, imediatamente, agirei para consumar outra venda.

Agirei agora.

Apenas a ação determina meu valor na feira e, para multiplicar

meu valor, multiplicarei minhas ações. Andarei por onde o fracasso

teme andar. Trabalharei enquanto o fracasso procura descanso.

Conversarei enquanto o fracasso permanece calado. Visitarei dez que

podem comprar minhas mercadorias, enquanto o fracasso faz

grandiosos planos para visitar um. Direi que está tudo consumado antes

que o fracasso diga que é tarde demais.

Agirei agora.

Pois o agora é tudo que tenho. O amanhã é o dia reservado para

o trabalho do preguiçoso. Eu não sou preguiçoso. O amanhã é o dia

em que o mau se torna bom. Eu não sou mau. O amanhã é o dia em

que o fraco se torna forte. Eu não sou fraco. O amanhã é o dia em que

o fracasso terá êxito. Eu não sou um fracasso.

Agirei agora.

Quando o leão está faminto, ele come. Quando a águia tem sede,

ela bebe. Se não agem, ambos correrão perigo.

Sinto fome de êxito. Sinto sede de felicidade e paz de espírito.

Agirei para não correr perigo numa vida de fracasso, de miséria e de

noites indormidas.

Eu ordenarei e obedecerei às minhas próprias ordens.

Agirei agora.

O êxito não esperará. Se eu retardo, ele se compromete com outro

e eu o perco para sempre.

Esta é a hora. Este é o lugar. Eu sou o homem.

Eu agirei agora.

Dezessete

Pergaminho Número Dez

Quem tem a fé tão pequena que, em momento de grande desastre

ou agitação, não haja clamado a seu deus?

Quem já não gritou quando confrontado com o perigo, a morte,

ou o mistério além de sua compreensão ou experiência normal? De

onde vem esse profundo instinto que escapa da boca de todas as

criaturas vivas em momentos de perigo?

Mova rápido sua mão ante os olhos de alguém e ele irá piscar. Dê

uma pancadinha logo abaixo do joelho e sua perna irá pular. Confronte

alguém com um negro horror na face e ele dirá, “Meu Deus”, levado

pelo mesmo impulso.

Não necessito permear minha vida de religião a fim de reconhecer

este grande e maior mistério da natureza. Todas as criaturas que andam

sobre a terra, inclusive o homem, possuem o instinto de gritar por

socorro. Por que possuímos esse instinto, esse dom?

Não são nossos gritos uma forma de súplica? Não é

compreensível, num mundo governado pelas leis da natureza, que uma

mente grandiosa, à parte de dar ao cordeiro, à mula, ao pássaro, ao

homem, o instinto de gritar por socorro, tenha também permitido que

o grito fosse ouvido por algum poder superior capaz de ouvir e atender

ao grito de socorro? De hoje em diante eu suplicarei, mas meus gritos

por socorro serão apenas pedidos de orientação.

Jamais suplicarei pelas coisas materiais do mundo. Não peço ao

criado que me traga comida. Não determino ao hospedeiro que me dê

um quarto. Jamais buscarei dádivas de ouro, amor, saúde, vitórias

mesquinhas, fama, êxito ou felicidade. Suplicarei apenas por orientação

para que eu venha a saber a maneira de adquirir estas coisas e serei

sempre atendido em minha súplica.

A orientação que busco pode chegar como pode não chegar, mas

não são ambas uma resposta? Se uma criança busca pão com seu pai e

não encontra, não deu o pai uma resposta?

Suplicarei por orientação e suplicarei como um vendedor, desta

maneira:

Ó criador de todas as coisas, ajudai-me. Pois hoje saio pelo

mundo nu e só, e sem vossa mão para orientar desviar-me-ei do

caminho que conduz ao êxito e à felicidade.

Não peço ouro ou roupa ou mesmo oportunidades segundo

minha capacidade, mas orientação para que possa adquirir

capacidade segundo minhas oportunidades.

Ao leão e à águia ensinastes a caçar e a prosperar com os dentes

e as garras. Ensinai-me a caçar com palavras e a prosperar com

amor para que eu possa ser um leão entre os homens e uma águia na

feira.

Ajudai-me a permanecer humilde nos obstáculos e fracassos;

mas não oculteis dos meus olhos o prêmio que virá com a vitória.

Conferi-me tarefas para as quais outros fracassaram; mas

orientai-me na colheita das sementes do êxito nos fracassos dos

outros. Confrontai-me com temores que temperarão o meu espírito;

mas dotai-me de coragem para rir de meus receios.

Reservai-me dias suficientes para alcançar meus objetivos; mas

ajudai-me a viver este dia como se fosse o meu último dia.

Orientai-me em minhas palavras para que elas frutifiquem; mas

acautelai-me a língua, para que a ninguém difame.

Disciplinai-me no hábito de tentar sempre e sempre; mas

mostrai-me a maneira de utilizar-me da lei das médias. Favoreceime

com a prontidão em reconhecer as oportunidades; mas dotai-me

com a paciência que concentrará minha força.

Banhai-me em bons hábitos para que os maus hábitos se

afoguem; mas concedei-me a compaixão pela fraqueza dos outros.

Fazei-me sofrer para saber que todas as coisas passarão; mas ajudaime

a contar minhas bênçãos de hoje.

Sujeitai-me ao ódio, para que ele não seja um estranho; mas

enchei minha taça de amor para transformar estranhos em amigos.

Mas que todas estas coisas aconteçam apenas segundo vossa

vontade. Sou uma uva pequena e solitária compondo a vinha, mas

me fizestes diferente de todas as outras. Em verdade, deve haver um

lugar especial para mim. Orientai-me. Ajudai-me. Mostrai-me o

caminho.

Deixai-me tornar em tudo aquilo que planejastes para mim

quando minha semente foi plantada e escolhida por vós para brotar

no vinhedo do mundo.

Ajudai este humilde vendedor. Orientai-me, Meu Senhor.

Dezoito

E assim sucedeu que Hafid esperou em seu solitário palácio por

aquele que iria receber os pergaminhos. O ancião, tendo apenas o

guarda-livros de confiança por companhia, contemplava as estações

irem e virem, e com a chegada das enfermidades da velhice ficava,

apenas, calmamente sentado no jardim coberto.

Ele esperou.

Ele esperou quase três anos após a distribuição de suas riquezas

mundanas e da dispersão do seu império comercial.

E então, do deserto do Levante, surgiu a figura delgada e coxeante

de um estranho que chegou a Damasco e seguiu direto pelas ruas até

parar ante o palácio de Hafid. Erasmo, comumente um modelo de

cortesia e sobriedade, permaneceu resoluto à porta, assim que o estranho

repetiu seu pedido:

– Eu desejava falar com vosso amo.

A aparência do estranho não era de inspirar confiança. Rotas e

emendadas com corda estavam suas sandálias, feridas e arranhadas as

pernas escuras, chagas em muitos lugares, e do corpo pendia uma frouxa

e esfarrapada tanga de camelão. O cabelo estava desalinhado e longo, e

os olhos vermelhos de sol pareciam arder.

Erasmo segurou levemente a tranca da porta:

– O que procura com meu senhor?

O estranho deixou o saco cair dos ombros e apertou as mãos em

súplica a Erasmo.

– Por favor, gentil senhor, concedei-me uma audiência com o

vosso amo. Não busco prejudicá-lo, nem esmolas. Deixai-o ouvir

minhas palavras e prometo partir imediatamente se eu o ofender.

Ainda inseguro, Erasmo abriu lentamente a porta e fez sinal que

entrasse. Então, virou-se e, sem olhar para trás, encaminhou-se para o

jardim com o visitante a acompanhá-lo, coxeando.

No jardim, Hafid cochilava, e Erasmo hesitou ante seu amo. Ele

tossiu e Hafid moveu-se, Tossiu de novo e o ancião abriu os olhos.

– Perdoe-me incomodá-lo meu amo, mas há uma visita.

Despertando, Hafid sentou-se e fitou o estranho que se curvou e

falou.

– Sois aquele que é chamado o maior vendedor do mundo?

Hafid franziu a testa e assentiu,

– Assim fui chamado em anos que agora já passaram. Minha

cabeça não mais ostenta essa coroa. O que desejais de mim?

O pequeno visitante permaneceu embaraçado ante Hafid e passou

a mão pelo peito encardido. Piscou os olhos e replicou:

– Sou chamado Saulo e voltei agora de Jerusalém para Tarso,

minha terra natal. Suplico-vos, todavia, não deixeis que minha aparência

vos confunda. Não sou um bandido do deserto nem um mendigo das

ruas. Sou cidadão de Tarso e também de Roma. Os fariseus da tribo

judia de Benjamim são o meu povo e embora eu seja fabricante de

tendas, por profissão, estudei com o grande Gamaliel. Alguns me

chamam de Paulo.

Ele se inclinava para o lado, ao falar, e Hafid, não de todo desperto

até esse momento, acenou com gesto de desculpas, para que ele se

sentasse.

Paulo assentiu, mas permaneceu de pé.

– Eu vim a vós em busca da orientação e ajuda que apenas vós

podeis dar-me. Permitis, senhor, contar-vos minha história?

Erasmo, em pé atrás do estranho, balançou a cabeça

violentamente, mas Hafid fingiu não notar. Ainda sonolento, examinou

o intruso com cuidado e, então, assentiu:

– Estou velho demais para levantar os olhos. Sente-se aos meus

pés e eu o ouvirei.

Paulo pôs o saco de lado e ajoelhou-se próximo ao ancião que

esperava em silêncio.

– Há quatro anos atrás, porque o acumulado conhecimento de

meus excessivos anos de estudo cegara meu coração para a verdade,

fui testemunha pública do apedrejamento, em Jerusalém, de um santo

homem, chamado Estêvão. Ele fora condenado à morte pelo sinédrio,

por blasfêmia contra o nosso Deus.

Hafid o interrompeu, com embaraço na voz:

– Eu não entendo minha ligação com essa atividade,

Paulo ergueu a mão, como para acalmar o ancião:

– Explicarei rapidamente. Ele era seguidor de um homem

chamado Jesus, que, menos de um ano antes do apedrejamento de

Estêvão, fora crucificado pelos romanos, por sedição contra o Estado.

A culpa de Estêvão residia na insistência de que Jesus era o Messias,

cuja chegada fora prevista pelos profetas judeus, e que o Templo

conspirara com Roma para matar esse filho de Deus. Tal censura às

autoridades só poderia ser punida com a morte e, como vos disse, eu

participei.

“Ademais, pelo meu fanatismo e zelo juvenil, o sumo sacerdote

do Templo confiou-me a missão de viajar para Damasco à procura de

todo seguidor de Jesus e, encontrando-o, trazê-lo acorrentado a

Jerusalém para punição. Isso foi, como disse, quatro anos atrás.

Erasmo olhou para Hafid espantado, pois havia no rosto do ancião

um olhar jamais visto pelo leal guarda-livros em muitos anos. Apenas

o jorro da fonte se ouvia no jardim, quando Paulo prosseguiu.

– Então, ao aproximar-me de Damasco com morte no coração,

surgiu no céu um súbito facho de luz. Recordo-me que não me assustei,

mas caí ao chão e, embora não pudesse ver, ouvi uma voz em meu

ouvido dizer: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” Eu perguntei:

“Quem és tu?” e a voz respondeu: “Eu sou Jesus, a quem persegues,

mas levanta-te e entra na cidade, e serás avisado do que fazer.”

“Ergui-me e fui levado pelas mãos de meus companheiros a

Damasco e lá não fui capaz de comer ou beber por três dias, enquanto

permaneci na casa de um seguidor do crucificado. Fui, então, visitado

por outro seguidor, chamado Ananias, que disse ter sido visitado numa

visão e avisado para vir a mim. Ele passou a mão em meus olhos e

pude ver de novo. Foi-me, então, possível comer e beber e recuperar as

forças.

Hafid curvou-se para a frente e inquiriu:

– O que ocorreu depois?

– Fui levado à sinagoga e minha presença como perseguidor dos

seguidores de Jesus amedrontou-lhes os corações, mas fiz uma

pregação, e minhas palavras os confundiram, pois falei que aquele que

fora crucificado era realmente o filho de Deus.

“E todos que me ouviram suspeitaram de um truque de minha

parte para enganá-los, pois não causara eu matança em Jerusalém? Não

pude convencê-los da minha mudança de coração e muitos tramaram

a minha morte; então, fugi e retornei a Jerusalém.

“Em Jerusalém, os acontecimentos de Damasco repetiram-se.

Nenhum dos seguidores de Jesus se aproximou de mim, conquanto

soubessem de minha pregação em Damasco. Não obstante, continuei

a pregar em nome de Jesus, mas inutilmente. Em todo lugar que falava

despertava o ódio daqueles que ouviam, até que um dia fui ao Templo

e, no pátio, enquanto assistia à venda de pombos e cordeiros para o

sacrifício, a voz veio-me novamente.

– Então, o que disse? – perguntou Erasmo, sem poder se conter.

Hafid sorriu para seu velho amigo e fez sinal para Paulo continuar.

– A voz disse: “Tiveste a Palavra por quase quatro anos, mas

pouco mostraste a luz. Até a palavra de Deus tem de ser vendida às

pessoas, ou não a ouvirão. Não falei eu em parábolas, para que todos

entendessem? Pegarás poucas moscas com vinagre. Retorna a Damasco

e procura aquele que é aclamado como o maior vendedor do mundo.

Se deves espalhar minha palavra pelo mundo, deixa que ele te mostre

a maneira de o fazer.”

Hafid relanceou os olhos rapidamente em Erasmo e o velho

guarda-livros sentiu a impronunciada pergunta. Era este, então, aquele

por quem ele tanto esperava? O grande vendedor curvou-se para a frente

e colocou a mão no ombro de Paulo.

– Falai-me sobre esse Jesus.

A voz bem viva, com nova força e volume, Paulo falou de Jesus

e de sua vida. Enquanto os dois ouviam, falou da longa espera judia

por um Messias que viria e os uniria num novo e independente reino

de felicidade e paz. Falou de João, o Batista, e da chegada, no palco da

história, de alguém chamado Jesus, dos milagres realizados por esse

homem, dos seus sermões às multidões, da revivificação do morto, do

tratamento dado aos vendilhões; falou ainda da crucificação, do sepultamento

e da ressurreição. Finalmente, como para dar maior impacto a

seu relato, Paulo enfiou a mão no saco que estava ao lado e dali retirou

uma vestimenta vermelha, que colocou no colo de Hafid.

– Senhor, aí tendes todos os bens mundanos deixados por esse

Jesus. Tudo que possuía ele distribuiu com o mundo, incluindo a vida.

E, ao pé da cruz, soldados romanos disputaram nos dados esta túnica.

Vim a possuí-la por meio de muito esforço e procura, quando estive

por último em Jerusalém.

A face empalidecida de Hafid e suas mãos tremeram ao abrir a

túnica manchada de sangue. Alarmado com a aparência de seu amo,

Erasmo aproximou-se do ancião. Hafid continuou a abrir a vestimenta

até encontrar a pequena estrela bordada no tecido... a marca de Tola,

cujo símbolo compunha as roupas vendidas por Pathros. Próximo à

estrela, um circulo bordado dentro de um quadrado... a marca de Pathros.

Sob os olhares de Paulo e Erasmo, o ancião ergueu a túnica e

roçou-a gentilmente contra a face. Hafid balançou a cabeça. Impossível!

Milhares de outras túnicas foram fabrica das por Tola e vendidas por

Pathros nos anos de sua grande carreira de negócios.

Ainda apertando contra si a túnica e falando num murmúrio

rouco, Hafid perguntou:

– Dizei-me o que se sabe do nascimento desse Jesus. Paulo

respondeu.

– Ele deixou nosso mundo com pouco. Entrara nele com menos

ainda. Nasceu numa gruta em Belém, ao tempo do recenseamento feito

por Tibério.

O sorriso de Hafid parecia quase infantil aos dois homens e eles

olhavam perplexos, pois lágrimas também rolavam de sua face

enrugada. Ele enxugou-as com a mão e perguntou:

– E não foi a mais brilhante estrela que o homem já viu, a que

brilhou sobre o berço daquela criança?

Paulo abriu a boca, mas não pôde falar, nem era necessário. Hafid

abriu os braços, chamou Paulo a si e, então, as lágrimas de ambos se

confundiram.

Finalmente, o ancião ergueu-se e acenou para Erasmo:

– Meu leal amigo, vá à torre e traga o baú. Encontramos, afinal, o

nosso vendedor.